terça-feira, 21 de dezembro de 2010

terça-feira, 16 de novembro de 2010

As Raízes do Russo

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Foi dando uma olhada nesta bela versão do hino russo (clique aqui para ver) que tive a ideia de brincar com as palavras da letra que o compõe. O idioma Russo, por incrível que possa parecer a muitos, tem mais a ver com o Português do que a Língua Basca, que é falada logo ali na Espanha.


Assim como o Português, o Russo é uma Língua Indo-europeia, ou seja, a grosso modo, ambos tiveram a mesma origem. Daí, claro, há a semelhança entre as Raízes Linguísticas de ambos os idiomas.


Abaixo, segue a transliteração do hino russo. Claro, não faria sentido em copiá-lo em Cirílico, pois quase ninguém o entenderia. Lá vai:



Rassiya – svyashchennaya nasha derzhava,
Rassiya – lyubimaya nasha strana.
Maguchaya volya, velikaya slava –
Tvayo dastayanye na vse vremena!

Pripev:

Slav'sya, Atechestvo nashe svabodnaye,
Bratskikh narodov sayuz vekavoy,
Predkami dannaya mudrost narodnaya!
Slav'sya, strana! My gardimsya taboy!

At yuzhnykh marey da palyarnogo kraya
Raskinulis' nashi lesa i palya.
Adna ty na svete! Adna ty takaya –
Khranimaya Bogom radnaya zemlya!

Pripev

Shirokiy prastor dlya mechty i dlya zhizni.
Gryadushchiye nam atkryvayut gada.
Nam silu dayot nasha vernost' Atchizne.
Tak bylo, tak yest' i tak budet vsegda!

Obs.: Apenas por curiosidade, vou colocar em Cirílico as palavras que analisarei.


Podemos começar com nasha (наша), de Raiz Indo-europeia *{ne} que significa nossa (Pronome Possessivo da 1a. Pessoa do plural). Mesma Raiz do noster latino, que veio dar origem ao nosso em Português. As variações, claro, acontecem, como em Nam (Нам), que quer dizer conosco.


Em seguida, a palavra lyubimaya (любимая), significando amada, remete-nos ao ramo germânico, onde encontramos liebe (alemão), love, like (inglês), liefde (holandês) e láska (eslovaco).


Uma Raiz quase universal é a da palavra volya (воля), {vol}, que significa vontade. É a mesma Raiz da palavra voluntários, bem como das formas germânicas wollen (alemão), will (inglês, alemão), volere (italiano), vouloir (francês), vilja (sueco) e vil (islandês).


Outra Raiz encontrada nas mais variadas línguas é a Indo-europeia *{mak}, originária do grego makrós, significando grande. Da mesma forma, essa Raiz originou a {magn}latina, das palavras maior, magno, maggiore (italiano) e afins. No hino, há Moguchaya (Могучая), com sentido de “poderoso”, mantendo o sentido de “maior”, “maioral”.


Em geral, outras Raízes universais são aquelas referentes aos números, partes do corpo e parentesco (entre outras). No hino, a palavra Bratskikh (Братских) significa Fraternidade, palavra derivada de Brat (Брат), irmão. A raiz indo-europeia *{bhrater} deu origem a phráter (grego) e às formas germânicas: Bruder (alemão), brother (inglês) e latinas, como fratello (italiano), que veio do fratellus latino. Também o pronome Tvoyo (Твоё), que signica teu, mostra a presença de uma Raiz universal nessa palavra do Russo.


Numa mesma frase, há duas palavras cujas Raízes são por nós conhecidas: morey (морей) deriva de {mar} (latina) ou {mur} (mais provável que seja desta, pois é grega), e significa mar. A outra é polyarnogo (полярного), da Raiz grega {pol}, que também deu origem aos nossos polar, polaridade e derivados.


Um verbo presente no hino é bylo (было), que é o verbo ser na 3a. Pessoa do singular do Pretérito Perfeito. Forma bem parecida como em seus pares germânicos: be, been (inglês), bin (alemão), beon (anglo-saxão). Curiosamente, essa forma é a que se usa na conjugação pretérita do verbo em questão.


Em suma, aqui procurei mostrar como uma Língua “distante” de nós está mais perto de nosso próprio Idioma do que imaginamos.


До свидания!


- Darini

terça-feira, 9 de novembro de 2010

As Aventuras de Cantão e Carminha - O AdEvogado

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Cantão: Olha lá, Carminha! Olha quem vem vindo!

Carminha: Mas é o filho da cunhada da irmã do Jair, não é?

Cantão: Ele mesmo!

Filho da cunhada da irmã do Jair: Oi, Seu Cantão... Dona Carminha! Tudo bem com vocês?

Cantão: Estamos bem. E você, o que tem feito?

Filho da cunhada da irmã do Jair: Ah, eu prestei o exame e agora sou adEvogado. Em breve, vou trabalhar na Comissão de Direitos Humanos da OAB.

Carminha: Ah, mas que legal! E o que você faz lá?

Filho da cunhada da irmã do Jair: Bom, ainda estou em treinamento, mas gostando muito. Faço uns cursos bem legais, como "Demagogia Avançada", "Como vitimizar ainda mais um coitadinho (módulos I, II e III)", "Técnicas de como parecer convincente na TV"... essas coisas.

Carminha: Ah, que legal. O Cantão sempre quis advogar, mas nunca conseguiu.

Filho da cunhada da irmã do Jair: Sério? Por que desistiu, Seu Cantão?

Cantão: Ah, eu me desiludi... ter que ficar caçando cliente na porta da cadeia era deprimente. Falando nisso, onde é seu ponto?

Filho da cunhada da irmã do Jair: Er... mas mudando de assunto, vocês não tem nenhuma pendência jurídica que queiram resolver? Ninguém para processar? Meu professor, Doutor Honorium Causa Data Venium, sempre diz: "Sempre podemos ganhar dinheiro às custas de outrem". Lindo isso.

Carminha: É... já que você mencionou, o Cantão andou trabalhando pra um safado aí...

Cantão: Não se meta, Carminha! Eu conto: eu andei trabalhando pra um safado aí, e ele não me pagou. Sabe como tenho que proceder?

Filho da cunhada da irmã do Jair: Fácil. Como o senhor é meu amigo, não vou cobrar nada, a não ser os custos administrativos do processo.

Cantão: Legal... quanto fica?

Filho da cunhada da irmã do Jair: Ah. Para dar entrada no processo, R$1000,00. Depois, para eu poder me locomover às audiências, mais R$580,00, pois vou de táxi. Imagina, eu, um dotô, andando de busão. Em seguinda, tem fotocópias, encadernação, alimentação... chuto alto mais uns R$400,00. Olha... com menos de 2 mil reais, inicio o caso pro senhor.


Cantão
: O QUÊ? Com 2 mil, eu compro UM JUIZ! Ainda mais que, tendo acabado as eleições, o preço do suborno deve ter abaixado bastante!

Carminha: É mais fácil o Cantão encher o safado lá de pancadas. A indenização deve sair mais em conta, rárárá!

Cantão: Sim, sim. Fora o caso de se poder meter a mão na cara daquele safado. Isso não tem preço.

Filho da cunhada da irmã do Jair: Seu Cantão, não diga isso... eu tento fazer tudo dentro da legalidade, da moralidade, da ética, da impessoalidade e da transparência.

Carminha: Com esse seu preço, é mais fácil ser ilegal, imoral, antiético, pessoal e opaco!

Filho da cunhada da irmã do Jair: Tá bom. Fechamos por R$1000,00, então? É o mais baixo que posso fazer.

Cantão: Não, não, não. Minha proposta: te pago um sanduba com refri lá no bar do Zé, e você me ajuda a encher o safado de pancadas.

Filho da cunhada da irmã do Jair: Sinto-me ofendido, data venia. Nem sei o que meu professor, Meu professor, Doutor Honorium Causa Data Venium, diria numa situação dessas. Um minuto, meu celular está tocando.

Professor Doutor Honorium Causa Data Venium: bláblábláblá... BLÁ! Cócorócocó...

Filho da cunhada da irmã do Jair: Fechado, seu Cantão. Quando começamos?

- Darini

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

As Aventuras de Cantão e Carminha

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Outro dia, na rua, às 5 da tarde, depois de tomar meu chá, pensei em começar a escrever uma comédia de situações para me testar. Achei que seria interessante fugir dos temas Linguística / morte / dragões.

Assim, veio na cabeça um nome de personagem: Cantão. Sei que isso não é um nome comum (ou existente) de uma pessoa, mas TINHA que ser esse nome. Com ele, viria a Carminha, formando um casal "sem noção". " title="Old Mr Green">

Minha ideia é colocá-los em situações comuns, mas exagerando suas atitudes (que, creio, ser a base de toda a comédia). Algumas coisas às quais quero me prender:

- Nunca ninguém saberá qual o "tipo" desses personagens: às vezes, podem parecer caipiras; outras, seres cosmopolitas; em algumas, nenhuma dessas opções, pois o enredo não exigirá isso.

- Usarei um estilo baseado (copiado?) do Saramago para a nomenclatura dos personagens: se, pela primeira vez na história, alguém se referir a um personagem como "O filho da cunhada da Cidinha", é assim que será chamado até o final da trama.

- Por incrível que possa parecer, não usarei palavrões (palavrões fortes, vai) nas histórias.

- De modo geral, as histórias serão feitas na forma de roteiro.

Para não desvirtuar muito o meu blogue, criei este: http://cantaoecarminha.blogspot.com/

- Darini

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Cantão e Carminha - O Velório

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Cantão e Carminha - O casal sem noção

- O Velório



Carminha: Nossa, Cantão... quem diria que o Seu coiso lá fosse morrer, né? Que tristeza...

Cantão: Verdade. Mas olha lá, Carminha... olha a filha da Valéria... como tá gorda, parece uma bola!

Carminha: Também, não faz nada da vida. Deve comer e dormir o dia inteiro.

Cantão: E a noite inteira também! Falando em comer, bem que eles podiam ter comprado alguma coisa pros convidados. Já são 3 horas de velório, e não serviram nem mesmo um café.

Viúva do Seu coiso lá: Seu Cantão, Carminha! Muito obrigada por comparecerem neste momento de dor.

Cantão: Do que seu marido morreu, Dona?

Viúva do Seu coiso lá: Foi um chá de cogumelo.

Carminha: Chá de cogumelo? Nem sabia que isso matava.

Viúva do Seu coiso lá: Quando você tá junto do cogumelo, mata sim!

Cantão: O quê? Ele era um cogumelo?

Viúva: Ele trabalhava na fábrica de chá de cogumelos. Então, quando foi carregar a trituradora, ele perdeu o equilíbrio e foi junto.

Cantão: Ai, que tristeza, dona... mas diga, ele tá todinho aí no caixão, ou chegaram a beber um pouco dele?

Viúva do Seu coiso lá: Buááááááááááááááááááá!! Beberam meu ma-ma-ma-ma-mariidooo!! Buááááááááá!!

Carminha: Pôxa, Cantão... não fala essas coisas pra viúva do Seu coiso lá, né?

Cantão: E eu tenho culpa, Carminha? E tem mais: sabe por que o Seu coiso lá caiu na trituradora?

Carminha: Não... o que foi?

Cantão: Por causa de CACHAÇA! Era um pudim de pinga!

Viúva do Seu coiso lá: Por favor, Seu Cantão! Respeite o falecido defunto já morto!

Carminha: Desculpa, dona, mas o Cantão tem razão. Passávamos noites sem dormir, porque vocês viviam brigando. Ele chegava muito do doidão em casa, e vocês quebravam o pau!

Filha da Valéria: Por favor... queiram se comportar!

Cantão: Vááááá te catar, sua popótama!

Filha da Valéria: Buáááááááááááá! Me chamou de hipopótama!

Padre: Não! Ele disse "popótama".

Filha da Valéria: Buááááááááá! Me chamou de popótama!

Padre: Bom... silêncio! Creio que podemos começar nossa oração. Irmãos, estamos aqui reunidos para celebrar a passagem do Seu coiso lá, que, tendo cumprido sua missão...

Cantão: Seu Padre, ele não cumpriu a missão, não!

Viúva do Seu coiso lá: Por favor, Cantão!

Cantão: Verdade! Ele nem terminou de carregar a trituradora! Morreu e deixou serviço pros outros!

Padre: Buáááááááááááá!

Cantão: Padre, Padre... vocês têm que aprender que não se torna santo por causa da morte.

Padre: Quando eu digo que ele cumpriu sua missão, Cantão, eu quero dizer que ele foi um bom pai, um bom marido... é isso!

Cantão: Ah, Padre... o senhor realmente não conhecia o Seu coiso lá. Como ele pode ter sido um bom pai, se colocou no mundo aquele vagabundo do filho dele?

Filho do Seu coiso lá: Buáááááááááá! Me chamou de vagabundo, mãe!

Viúva do Seu coiso lá: Que desaforo! Com que propriedade você diz isso, Seu Cantão?

Cantão: Ué... com a propriedade que me é defirida!

Carminha: É propriedade defErida, Cantão! Escreve-se com "E"!

Cantão: Ah, Carminha... você não sabe das coisas, então fica quieta aí.

********* Horas de discussão depois... *********

Carminha: Pôxa, Padre, não precisava amarrar e amordaçar o Cantão! Olha só o coitadinho, ficou até azul!

Padre: Só assim pra ele ficar quieto, não? Mas, continuando: estamos aqui reunidos para... espera! Cadê o defunto? Quem tirou o caixão daqui?

Seu coiso lá (ao longe): Fui eu, seu Padre! Cansei de esperar, e tô indo a pé pro túmulo!

- Darini

sábado, 18 de setembro de 2010

O Apanhador no Campo de Centeio x Dois Irmãos

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Semelhanças entre os narradores de “Dois Irmãos” e “O Apanhador no Campo de Centeio”

No que concerne a perda e/ou busca de identidade do narrador, podemos fazer algumas comparações que aproximam a obra “Dois Irmãos” e a “O Apanhador no Campo de Centeio”. Nesta análise, fizemos uma breve explanação do enredo desta última, assinalando esses pontos em comum.

Em “O Apanhador no Campo de Centeio”, o escritor norte-americano J.D. Salinger nos conta a peregrinação de Holden Caulfield, um adolescente burguês dos anos 40/50 que é expulso do notório colégio Pencey (o último dentre outros de que já havia saído) e tenta esconder esse fato de seus pais, adiando sua chegada em casa. Na verdade, esse “adiamento” de seu retorno ao lar é que causa toda a peripécia da história e os conflitos vividos por Holden nesse difícil e conturbado período da vida humana.

Já em “Dois Irmãos”, Nael é pobre e filho da empregada da família, Domingas, e desconhece quem seja seu pai. No entanto, a trama acontece no mesmo período do Apanhador (anos 40/50).

Em relação aos ambientes vividos pelos narradores, o primeiro mostra a cidade de Nova Iorque sempre de acordo com seu ponto de vista; já em Dois Irmãos, o narrador faz uma detalhada descrição de Manaus, sua cidade natal, mas embora viva “in loco” a maior parte das tramas, outra lhe era contada por Halim ou de Domingas. De certa forma, podemos dizer que nesta trama toda a história é contada a partir do ponto de vista do narrador, já que ele reproduz o que ouviu de outros, dando a sua versão e seu entendimento dos fatos.

A perda de identidade é distinta, mas presente em cada obra: em “O Apanhador no Campo de Centeio”, o protagonista-narrador procura sua identidade pessoal, psicológica. Ele faz o tipo “adolescente rebelde”, ou “rebelde sem causa”, mesmo sendo de uma família de posses. O problema de Holden é a conflituosa relação dele com o mundo e tempo em que vive: ele não se identifica com nenhum outro tipo de personagem a não ser com sua irmã mais nova, Phoebe (podendo representar a inocência) e com um irmão já falecido, de quem guarda muitas saudades (Allie). Neste caso, a identificação pode se dar por causa do sentimento da perda do ente querido, pois o ser-humano tende a guardar apenas as boas memórias daqueles que já se foram. Uma das partes mais bonitas e tocantes do livro é aquela em que Holden tem medo de atravessar a rua, pois imaginava-se caindo antes de chegar ao outro lado. Então, dizia ao irmão: “Allie, não me deixa desaparecer”; e ao cumprir sua meta, agradecia-o.

A busca da identidade dentro de si mesmo, a repulsa dos padrões desse mundo e a identificação pela inocência pode ser vista na cena em que o jovem imagina-se num enorme campo de centeio, com milhares de crianças correndo, e sua missão seria a de não deixá-los cair no abismo. Ele seria “O Apanhador no Campo de Centeio”, aquilo que realmente queria fazer na vida. Podemos ver essa “cena” como uma metáfora para o que ele buscava: a liberdade.

Já em “Dois Irmãos”, Nael busca sua identidade cultural e genealógica: sabe apenas quem é sua mãe, mas tem dúvidas em relação à paternidade. Embora ele (e o leitor) possam acreditar 98% que Omar seja seu pai por conta da violência cometida contra a empregada, ainda nos resta uma sombra de dúvida antes de afirmarmos com certeza de quem ele descende.

Assim como Holden procurava a liberdade, Nael também o faz. Uma vez que a descoberta de sua paternidade se encerra, e se fosse ele um membro daquela família, sua condição de empregado se elevaria a de membro da família, além de que a descoberta lhe traria liberdade espiritual e psicológica, uma vez que a maior dúvida, o segredo que mais lhe intrigava estariam solucionados.

Ao final da trama (mais especificamente nas duas últimas páginas), o narrador parece ter “canalizado” seus sentimentos para que a liberdade viesse de outra forma: no encontro final deste com Omar, não há diálogo: ambos apenas se encaram, até que o segundo vai embora. Esse silêncio de ambos, principalmente por parte de Nael, pode significar que ele deixou de querer saber a verdade, pois esta poderia lhe trazer mais sofrimento do que a dúvida, pois certos de que Nael e Omar não se gostavam, a certeza da condição pai e filho entre eles poderia resultar num desfecho mais trágico entre os dois; portanto, a eterna incerteza da verdade era o sinal de sua liberdade.


- Darini


sábado, 11 de setembro de 2010

É Dilma PresidENTE!

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Não estou fazendo campanha política (até porque odeio políticos e sempre voto NULO), mas com a iminente vitória da Dilma já no primeiro turno, vamos lembrar:

Dilma será presidENTE do Brasil.

Michelle Bachelet foi presidENTE do Chile.

Cristina Kirchner é presidENTE da Argentina.

Como visto, o Prefixo {ente} não varia em gênero. É como o {ante} (não se diz a *estudanta). Ao contrário, o Espanhol admite a forma presidenta sem maiores problemas.

É isso aí. E vote nulo.

- Darini

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

À derradeira namorada

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Morte, morte...

Quero sentir sua mão em meu rosto,
como uma leve brisa matinal que, bem de leve,
balança as folhas das árvores.

Quero sentir seu beijo como um raio de luar
que bate em minha pálida face.

Quero sentir seu corpo como
o perfume das flores postas sobre meu
gélido ser.

Quero dormir como se dormiria numa noite sem fim,
sem estrelas e sem luar.
Hibernação eterna.

Morte, morte...

Quero viajar rumo ao nada. Que este pedaço
de carne se desfaça...
que não deixe vestígios. Nem pó.

Quero desfrutar de seus segredos...
e só você saberá dos meus, minha fiel
confidente e ouvinte.

Que teu sopro final me dê e
me tome a última fagulha de prazer.

Que teu abraço cadavérico me traga o
definitivo sentimento de paz.

Amém.


- Darini

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A Metáfora

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A Metáfora é, creio, a maior invenção comunicativa humana. É um modo escondido de dizer uma situação, sentimento ou descrição que parecem claros, uma maneira lógica (!!!) de forçar o raciocínio por códigos, às vezes, difíceis de serem interpretados.

O maior objetivo da Metáfora é o de surpreender o leitor (no caso de um texto escrito). Depois, se muito usada e desgastada, corre o sério risco de cair no limbo maldito dos clichês (ou dos clichês malditos).

A Metáfora pode ser mais elaborada, como pode-se ver neste trecho do Poema "Violões que choram", de Cruz e Souza:

Quando os sons dos violões vão soluçando,
Quando os sons dos violões nas cordas gemem,
E vão dilacerando e deliciando,
Rasgando as almas que nas sombras tremem.

Em outros casos, a Metáfora pode ser ainda mais difícil, como neste excerto de Garcia Lorca - ("A Selva dos Relógios" - retirado do sítio http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=12035 ):

"Os morcegos nascem / das esferas. / E o bezerro os estuda / preocupado. / Quando será o crepúsculo / de todos os relógios? / Quando essas luas brancas / se fundirão aos montões?"

No poema acima, reparem na complexidade das Metáforas utilizadas. Sei pouco sobre o assunto, mas o Surrealismo carrega a ideia de construir / desconstruir, bem como a de estar "fora" do real, ou a de representar elementos oníricos. De qualquer forma, se tentarmos formar essas figuras em nossa mente, teremos criado um acervo imaginário bem interessante.

Por outro lado, há os clichês, que, como disse antes, não deixam de ser Metáforas: "Não sobrará pedra sobre pedra"; "Meus filhos, minha vida"; "Há uma luz no fim do túnel" etc. Eles podem ter tido ar de novidade em alguma época, mas, hoje, lidos em praticamente qualquer contexto, parecem estar escritos em linguagem denotativa, tal é a frequência com que nos deparamos com eles. Não causam mais surpresa ao leitor. Virou chavão, lugar-comum.

E, claro, não podemos ignorar o fato de haver elementos metafóricos na construção de palavras. Se analisarmos Morfemas em geral (mormente as Raízes), perceberemos isso. Por exemplo, na palavra "colaborar", há o Prefixo {co}, que significa junto, e a Raiz {labor}, que significa trabalho. Se alguém pede a "colaboração de todos", esses elementos não ficam explícitos. Talvez, com as palavras do dia a dia, com as Raízes e demais Morfemas aglutinados, a situação que temos é a de "além-clichê". Colaborar, para a maioria de nós, remete à ideia de ajudar. E só.

Outra palavra interessante é "explicar". Nela, há o Prefixo {ex}, significando muito, e a Raiz {plic}, que significa dobrar. É a mesma Raiz presente nas palavras multiplicar, triplicar etc. Traduzindo a palavra através de seus Morfemas, temos algo como "dobrar para fora" - dobrar sua fala, seus exemplos, até que seu interlocutor entenda.

Portanto, seja na formação de palavras, seja na elaboração da mais elaborada poesia, a presença da Metáfora mostra um lado interessante da mente humana: o de associar, fazer comparações, esconder ou disfarçar seus sentimentos e medos.

Não concordava muito com a máxima "O Poeta é um fingidor" de Fernando Pessoa, mas acho que ele tem razão. Todos somos.

- Darini

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Com os parceiros também...

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A postagem anterior me fez lembrar do caso "parceiro" e "parceria". Uma rápida pesquisa no Google mostra, aproximadamente, 60.000 ocorrências para "parceiria" em detrimento de parceria. Da mesma forma que o caso beneficente / benefício, essa mudança é consequência da presença de um Sufixo. Vejamos:

A palavra parceiro tem:

Raiz {parc} = porção dividida
Sufixo {eiro} = produtor (que produz)

A junção desses dois Morfemas é direta: não há Vogal ou Consoante de ligação para "atrapalhar" no processo de formação da palavra. Ao contrário, parceria tem um outro detalhe:

Raiz {parc} = porção dividida; {er} = unir
Sufixo {ia}= qualidade

Ou seja, nesse caso há uma segunda Raiz, {er}, que se une a {parc}, também sem Vogal ou Consoante de ligação, pois não há essa necessidade. Ao se escrever "parceiria", ignora-se (ou modifica-se) a Raiz {er} para {eir}, que tem outro significado (terra). Claro, é a influência do {eiro} em parceiro que causa esse erro. Basta ter atenção.

- Darini

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Beneficente + Benefício = Beneficiente? Não!

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Foi no CQC de 02/08/2010 (clique aqui para assistir) que a repórter questionou vários "famosos" sobre qual seria o correto: evento beneficente ou beneficiente. Não houve surpresa nas respostas, já que muita gente coloca esse "i" no meio da palavra, pois relaciona-o à palavra "benefício", o que não é bem verdade. Vejamos:

Em benefício, temos duas Raízes e um Sufixo, a saber:

Raiz: {ben} = bom; {fic} = fazer (é alomorfe da Raiz {fac}; está presente nas formas verbais fiz, fizemos etc.)
Sufixo: {io} = ação.
Vogal de ligação: {e}

Ou seja, "traduzindo" a palavra de acordo com seus Morfemas, teríamos algo como "ação de fazer o bem", o que parece ser bem similar em beneficente:

Raiz: {ben} = bom; {fic} = fazer
Sufixo: {ente} = ação
Vogal de ligação: {e}

Escrevemos, pois, sem o {i} mencionado anteriormente, pois o Sufixo é {ente}, e não *{iente}. Não falamos *cariente, *rapidamiente etc. Ao contrário, o {i} de benefício está presente no Sufixo {io}. Essa diferenciação na escrita é, justamente, causada pelos diferentes Sufixos que fazem parte dessas duas palavras, e não pelo (falso) fato de beneficiente ser "derivado" de benefício.

Portanto, lembre-se: Fui rapidamente levar aguardente ao evento beneficente.

- Darini

terça-feira, 15 de junho de 2010

A Triste História de Seu Mané

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Manoel Brasil era um homem comum. Comum até demais. Pobre, vivia fazendo um bico aqui, um bico ali, um trabalhinho extra por indicação... e, assim, ia levando a vida.

Seu Mané, como era conhecido pelas redondezas, não teve chances de estudo. Pelo ofício, até que sabia fazer as operações básicas com certas perspicácia. Lia palavras soltas no ar e escrevia nomes de materiais de construção. Claro, assinava o nome.

Seu Mané não era má pessoa; havia sido preso algumas vezes, mas por conta do atraso no pagamento da pensão de suas 3 ex-esposas. Tinha 9 filhos. Às vezes, conseguia um benefício do governo, mas acabava gastando com farra e cachaça.

Vivia na casa de amigos e parentes até quando era suportado (e, possivelmente, expulso). "Cristão", como se autodenominava, tinha fé de que as coisas melhorariam. "Um dia, Jesus vai melhorar minha vida", dizia.

Adorava ser parte da histeria coletiva em épocas de copa do mundo. Tinha uma leve ideia do que significava "coletiva", não sabia de forma nenhuma o que era "histeria", mas pouco importava. O importante era o Brasil ser campeão do mundo. "Meu país tá no meu nome!" - vangloriava-se. Tocava buzina, soltava rojão, bebia, gritava e chorava com os amigos no boteco. Ajudava na vaquinha pra pintar a rua e comprar bandeirolas. "A pensão das crianças pode esperar." - pensava.

Sentia-se vitorioso, vendo seu time fazer gols. Era como se fosse sua vitória. A única de sua vida. Nada mais importava em seu mundinho, a não ser os lances e resultados vomitados pelo narrador. Às vezes, no meio do programa esportivo, vinha um daqueles caras do jornal da noite, dizendo coisas do tipo: "Crise na Europa causa fuga de capitais do mercado financeiro" ou "Recessão no Japão causa quedas na exportação", mas... nem queria saber o que isso queria dizer.

"Nóis vai ser campeão do mundo, isso que importa!" - gritava e torcia.

Seu Mané ficou entusiasmado. O governo de seu país, mais ainda! O que mais importa para um dirigente é um bando de seres alienados e anestesiados por uma causa inútil. "Panis et circensis" do século XXI. Os césares morreriam de inveja.

Entretanto, para complicar ainda mais a vida de Seu Mané, o Brasil perdeu a copa naquele ano. Sua única chance de felicidade havia ido por água abaixo. Patriota que era, pegou sua bandeira do Brasil e, irritado, rasgou-a em mil pedaços. Com o tanto de tinta que sobrara da pintura da rua, foi destruir a bandeira que lá repousava eternamente.

"Meu país tá no meu nome. Vergonha!" - dizia.

Na entrevista dos jogadores, viu desculpas, sorrisos amarelos e fotos com o presidente. Em seguida, lembrou da propaganda que dizia "Sou brasileiro e não desisto nunca". Foi a deixa para Seu Mané, que voltou a pensar e torcer pelo campeonato, na copa dali a quatro anos.

Seu Mané, o brasileiro.

- Darini

sábado, 5 de junho de 2010

A Canção dos Nibelungos - Parte Final

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Veja aqui a Parte 1 desta análise - A Linguística e a Epopeia

Veja aqui a Parte 2 desta análise - A presença do maravilhoso na construção dos personagens

Veja aqui a Parte 3 desta análise - O Herói


Veja aqui a Parte 4 desta análise - O papel dos personagens femininos


Relação dos personagens com a morte

O cenário é conturbado: a Europa do século VIII ao X, com seus reinos recém-formados, após a queda do Império Romano no século V. invasões, guerras, disputas de (e pelo) poder... tudo isso faz parte do dia-a-dia do herói épico medieval (assim como de todo o povo medieval).

Tal realidade era, certamente, visível aos olhos do(s) autor(es) do poema, quando da sua elaboração, e esses elementos não poderiam deixar de constar nos escritos, uma vez que a literatura nada mais é do que a representação artística da história, vista por aqueles que têm o poder de abstrair os fatos “reais” e transformá-los em “sua história”, com nuances e características próprias. É como uma fotomontagem dos dias atuais: o real está lá, escondido, e cabe àquele que vê a mudança discernir o que existe do mundo “palpável” daquilo que é abstrato, metafórico, ilusório e irreal.

O cavaleiro épico não tinha medo da morte. A glória em morrer como um bravo guerreiro superava qualquer temor de perecer, uma vez que seus atos, sua coragem e sua bravura o conduziam para um destino glorioso - vencendo ou não - pois em ambos os casos ele seria visto como um realizador de benfeitorias, tendo, assim, cumprido seu papel de cavaleiro.

Embora iminente e previsível, a morte de um bravo cavaleiro era lamentada na proporção de sua bravura e feitos. Vemos isto quando da morte de Siegfried e, ao final, da de Rüdiger. Neste último caso, há um grande lamento por partes daqueles que causaram sua morte, principalmente pela forma como ela ocorreu.

É provável que os garotos da época medieval sonhassem em se tornar cavaleiros. Toda a força, “pompa” e grandeza que a imagem representava certamente deveria atrair o fascínio de jovens em todos os cantos da Europa. É o cavaleiro que faz o papel do próprio rei numa batalha; lá, ele o representa, assim como representa seu povo e seu país. É por sua luta que seus senhores expandirão ou diminuirão seu poder, seus territórios. O futuro dos próprios reis e de toda a nobreza dependia da ação cavaleiresca.

A Epopéia - retrato do mundo medieval

A força sobre-humana de certos personagens pode ser vista, ao mesmo tempo, como uma forma de exaltação e auto-afirmação do povo descrito na epopéia., assim como pode representar a dificuldade que um sentimento ligado a estes personagens representa. Por exemplo, Brunhild tem sua força espetacular até o dia de sua primeira noite de amor com Gunther; em seguida, ela parece perder seus poderes. Lembremos, pois, que quando rainha da Islândia, ninguém era capaz de desposá-la e, como conseqüência, perdia a vida. Essa imagem pode ser tomada como uma metáfora da dificuldade da conquista, da realização amorosa e da dificuldade de chegar ao ápice do amor pleno e total.

Em certos aspectos, Brunhild representa a condição da mulher da idade média, pois o fato de ela se entregar apenas àquele que demonstrasse força física superior à sua, leva-nos a crer que ela buscava, na realidade, alguém capaz de dominá-la, como se apenas esse guerreiro e rei fosse capaz de lhe proporcionar proteção e segurança.

Assim, como um país poderoso invade e domina um país mais fraco, da mesma forma um guerreiro mais poderoso a dominaria, mas também seria capaz de lhe fornecer as condições necessárias para seu bem-estar e sobrevivência.

Segundo Campbell, o poeta trovador era o verdadeiro romântico. Ele colocava a mulher num patamar acima, numa posição como a de adoração, sendo seu amor, por muitas vezes, platônico e inalcançável. Isto acontece tanto com Siegfried em relação a Kriemhild, assim como com Gunther em relação a Brunhild. Em segundo plano, quando dos torneios de justas que aconteciam sempre que havia importantes visitantes de um reino em outro, temos as jovens donzelas que almejavam se casar com os guerreiros que mais se destacassem na partida, sendo a recíproca verdadeira: estes davam tudo de si para uma performance satisfatória aos olhos de suas futuras amadas.

A força física servia como uma vitrine de virtudes de um tempo de guerras e conquistas territoriais. Quanto mais forte um povo se visse retratado em suas narrativas heróicas, mais sua auto-estima os levaria a tê-las como inspiração em seu cotidiano e na sua visão de identidade nacional.

No que se refere a força, temos três momentos na narrativa: temos Siegfried (Países Baixos) dominando a situação; em seguida, após sua morte, temos os burgúndios (Reno) e, em seguida, finaliza-se a saga com a vitória dos hunos. Em cada momento distinto da epopéia, temos, pois, um povo diferente que domina a situação. Essa alternância de poder mostra-nos, de certa forma, que ele é perene e é apenas uma questão de tempo para que uma força se sobreponha à outra.

- Darini

quarta-feira, 2 de junho de 2010

A ti, locadora...

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Locadora, Locadora...
a louca dor, a que por ti sinto
é mais cruel do que broxada do pinto!

Era todo dia, lembro, um sacrilégio
E os estudos? Ah... foda-se o colégio
Ver os novos lançamentos, um privilégio
Ficar de próximo no Street...
ah, que ambiente egrégio!

O Ninja Verde? Como habilita?
Tentar o código é o mais lógico
Claro, isso muito irrita
Mas vejam! Sou abençoado!
Explicam tudo no detonado!

Locadora, locadora
A louca dor, a com que padeço
Me faz lembrar as divisórias de gesso
Um novo acessório... um adereço
O pai do playboyzinho compra. Foda-se o preço!

Locadora, locadora
O filhinho e a mãe emperuada
Pra 4 dias? Aproveita, aluga de baciada
Só não vale lançamento, amigão
São 24 horas pra devolução!

- Darini

domingo, 30 de maio de 2010

A Canção dos Nibelungos - parte 4

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Veja aqui a Parte 1 desta análise - A Linguística e a Epopeia

Veja aqui a Parte 2 desta análise - A presença do maravilhoso na construção dos personagens

Veja aqui a Parte 3 desta análise - O Herói


Parte 4: O papel dos personagens femininos

Como na poesia trovadoresca, nesta obra há a exaltação do feminino como o ser inalcançável, desenvolvendo nos personagens um amor platônico exagerado. Ao início da trama, Siegfried fica um ano no Reno sem sequer ver o rosto de Kriemhild e, mesmo assim, a amava.

"So wohnt' er bei den Herren, das ist alles wahr,

In König Gunthers Lande völliglich ein Jahr,

Dass er die Minnigliche in all der Zeit nicht sah,

Durch die ihm bald vieles Liebes und auch viel Leides geschah". (143)

Conforme o desenrolar dos fatos, percebemos que esse amor é correspondido, pois nenhum outro cavaleiro interessava à princesa a não ser Siegfried.

Há apenas três personagens femininos principais: a rainha Uote, dos burgúndios (que dentre as principais é a que exerce um papel secundário), Kriemhild e Brunhild, sendo estas duas últimas as responsáveis pela maior parte da sucessão de fatos após a morte de Siegfried (incluindo-se esta).

Curiosamente, Brunhild desaparece após a ida dos burgúndios à terra dos hunos. Há poucas menções de seu nome na trama a partir daquele fato, e nada do que faz enquanto seu marido e guerreiros estão fora é descrito.

Do lado de Kriemhild, temos o sentimentalismo exagerado após a morte de Siegfried. É nesse momento que a sede de vingança da rainha traz terror e morte a seus familiares e amigos. A maldade que nasce em seu coração não é pelo poder, mas a satisfação de poder se vingar totalmente daqueles que fizeram seu marido perecer. Ela age como uma Lady Macbeth “às avessas”, esbanja com presentes, vestes e terras; promete um futuro grandioso ao que por ela se vingar. Ao final da história, mata com suas próprias mãos o assassino do marido; aliás, essa imagem da decapitação de Hagen nos remete àquela em que Siegfried lança seu escudo contra o traidor. Aqui, é como se Kriemhild incorporasse Siegfried para continuar a batalha que há anos havia começado.

O poeta, ao elaborar Kriemhild, criou um personagem cujo amor é proporcional ao ódio, mesmo que ambos ajam em sentidos opostos. Sentimos a intensidade dos dois, essa dualidade de igual penetração àquele que lê, expondo um forte aspecto psicológico na formação do personagem, assim como a reflexão deste em seus atos. A nobre, pura e apaixonada princesa pega a espada e decepa seu inimigo de forma covarde, assim como Siegfried fora assassinado pelas costas. É o fim do estereótipo da “jovem donzela”.

Durante a narrativa, Kriemhild e Brunhild fazem uma trajetória comum, mas oposta uma da outra: enquanto a primeira é a “princesa padrão”, a outra é uma rainha guerreira. Mais tarde, Brunhild perde seus poderes, enquanto a psiquê de Kriemhild a transforma numa mulher sem escrúpulos para satisfazer sua sede de vingança. O próprio desaparecimento de Brunhild, nos momentos finais, nos sugere que ela realmente tenha adotado um comportamento passivo em relação aos demais (principalmente a Gunther). Não sabemos, porém, que fim ela possa ter levado como soberana do Reno, após a morte de seu marido.

- Darini

domingo, 23 de maio de 2010

A Canção dos Nibelungos - parte 3

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Veja aqui a Parte 1 desta análise - A Linguística e a Epopeia

Veja aqui a Parte 2 desta análise - A presença do maravilhoso na construção dos personagens


Parte 3: O Herói

- Siegfried, o herói dos Países Baixos

O protagonista tem claras as características do herói: disposto a conquistar a bela Kriemhild, vai ao reino dos burgúndios, na cidade de Worms, ameaçando os regentes de tomar-lhes os domínios. Com o passar da trama, contudo, Siegfried parece desistir da idéia e acaba tornando-se aliado de Gunther, o rei burgúndio (também pelo fato de que a irmã deste agradava ao jovem herói). Com a ajuda de Siegfried, o soberano consegue vencer os saxões e os dinamarqueses, além de conquistar a poderosa Brunhild.

- Balmung, a espada

Da mesma forma que o ferreiro tem sua bigorna, martelo e ferramentas, o herói também necessita de algo que o caracterize como tal; não apenas psicologicamente, mas que demonstre aos outros sua diferença social, como se fosse um “cartão de identificação” ou de visita. Em “A Canção dos Nibelungos”, Balmung, a espada de Siegfried, é um elemento importantíssimo, sendo como uma complementação do herói e, ele, desta.

Siegfried e sua Balmung parecem interagir como companheiros leais durante a trama; vemos que a espada é o instrumento pelo qual virá a glória do cavaleiro sobre seus inimigos. Claro que o manuseio é importante, e um movimento errôneo pode tirar a vantagem de quem a possui. Justamente por isso, a importância desta complementação de um para com o outro: a glória de um dependerá de como utilizar este instrumento de guerra.

A espada acaba se tornando um item precioso e estimado, e isso acaba atraindo cobiçadores que a desejam com afã, fato que acontece na trama: Hagen, após assassinar Siegfried, toma-lhe a espada. Este gesto pode ser analisado como tomar a força, a coragem, ter para si as qualidades daquele que, outrora, a possuía. A auto-estima do novo dono do item de maior valor moral do inimigo aumenta: é o símbolo máximo de sua vitória e superioridade sobre o outro. Cada vez que ele olhar para Balmung, lembrará de seus feitos, e isso lhe trará forças em momentos de dificuldade, pois se fora capaz de vencer uma vez, será capaz de fazê-lo novamente.

Tendo uma denominação específica (como a Excalibur do Rei Arthur), a espada torna-se como um ser vivo. Essa personificação traz, consigo, afetividade por parte de seu dono. É como uma pessoa amada, um amigo que está ali para lutar e nunca recusa auxílio. Ela torna-se diferente de todas as outras, pois seu nome é único, e isso lhe traz personalidade: a do cavaleiro, que se reflete no objeto. Se ele perecer, ali estará, eternamente, parte de si. Em algum momento da história, percebemos que o herói é a espada; são como dois corpos em comunhão, como um casamento.

- Honra e Lealdade

Estes são atributos que distinguem os heróis épicos, seja para o bem, seja para o mal. Nessa trama, temos alguns exemplos que ilustram bem tais sentimentos.

Siegfried, Hagen, Dankwart e Rüdiger são exemplos típicos. São personagens que lutam até o fim para conseguir realizar seu ideal, mesmo que para isso tenham de sacrificar a própria vida. Com tantas qualidades, podemos indagar: por que Hagen teria matado Siegfried pelas costas, de modo covarde?

No caso de Hagen, honra e lealdade entraram em conflito: sua demasiada lealdade a Brunhild (seja ela verdadeira ou apenas simulada, para que conseguisse o apreço da soberana) fez com que colocasse de lado “parte” de sua honra para derrotar o guerreiro invencível. De certa forma, podemos fazer a análise pelo caminho inverso: Siegfried tinha apenas um ponto vulnerável em seu corpo, ao contrário dos outros humanos. O uso dessa força e invencibilidade pode ser tomado, de certa forma, como atos de covardia quando em luta contra outro guerreiro, uma vez que a batalha sempre penderá para o lado do invencível. Tendo todos os pontos de seu corpo vulneráveis a um ataque, Hagen pode não ter visto problemas em atacar Siegfried pelas costas, uma vez que apenas naquele ponto a luta seria “de igual para igual”.

À exceção dessa controvérsia, não vemos, no restante do enredo, outro ato que se iguale ao de Hagen contra Siegfried. Mesmo na terra dos hunos, quando os burgúndios estão praticamente acoados em um salão, os guerreiros inimigos, mesmo que em maior número, perecem perante a força dos cavaleiros do Reno. A supremacia destes, em alguns momentos, nos faz lembrar da de Siegfried sobre os demais.

Siegfried, quando vivo, coloca todos os outros guerreiros no mesmo nível de força. Uma vez que o matam, é dada aos demais a chance de mostrarem seus dotes com uma proximidade e equivalência maiores um em relação ao outro, pois não têm nenhum poder mágico ou extraordinário para lhes colocar em evidência.

Voltando à análise de honra e lealdade, Rüdiger é um exemplo memorável a ser explorado. É o tipo de pessoa adorada por todos, e, quando colocado contra os burgúndios por ordem de Kriemhild, e posteriormente morto, até mesmo estes choraram por sua morte. A imagem da morte e pós-morte de Rüdiger é realmente forte e bonita, pois une amigos e oponentes num sentimento só. Metaforicamente, podemos ver a morte de um nobre e leal homem como a morte da própria esperança, pois, se fora possível mandar um guerreiro justo à morte certa, de forma injusta, então qual o nível de sensatez dos regentes em relação aos outros? Rüdiger morre por sua lealdade a Kriemhild, ele acaba se tornando um instrumento de ódio da rainha; ódio que transforma o sentimento de amigos e os leva à destruição. Ao mesmo tempo, era ele a última esperança de Kriemhild se vingar de Hagen e dos burgúndios, é o golpe final que tenta dar contra seus inimigos. Essa esperança em demasia sobre o guerreiro ajuda-o a trair seus princípios de amizade e colocar a lealdade à rainha acima daquela aos amigos.

No que diz respeito a Kriemhild, toda a peripécia causada com seu convite aos burgúndios para que visitassem as terras dos hunos pode ser considerada um ato de lealdade à memória de seu amado Siegfried. Mais uma vez há a dualidade: sentimentos fortes de lados opostos e que geram conflitos necessários para a trama. Ao final, ela mostra o ápice de sua lealdade ao decapitar Hagen, de forma covarde, mas agindo pela mesma análise que vimos sobre Siegfried, Hagen e a covardia: se não estivesse atado como prisioneito que era, Kriemhild nunca poderia cortar-lhe a cabeça, sozinha, como fizera, uma vez que seu oponente era um experiente guerreiro. A condição deste estar amarrado equivale àquela de Siegfried ser assassinado pelo seu ponto fraco; como se este fosse uma releitura da situação do outro.


- Darini


sexta-feira, 14 de maio de 2010

A Canção dos Nibelungos - parte 2

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A presença do maravilhoso na construção dos personagens

Vemos, em “A Canção dos Nibelungos”, a presença do maravilhoso na construção do personagem principal - Siegfried. Dotado de uma força magnífica e fora do comum proveniente do banho que tomou com o sangue de um dragão após tê-lo derrotado em batalha, o herói é tido como uma bênção pelos exércitos a que se alia, pois isso significa a vitória de suas forças.

Como em “A Demanda do Santo Graal”, nesta trama, a religiosidade anda lado-a-lado com o maravilhoso, não na freqüência em que aparecem, mas na influência que exercem sobre o enredo. A presença do dragão e dos poderes dados a Siegfried por seu sangue têm o mesmo grau de importância, nesses personagens, do que a religiosidade de Kriemhild.

Podemos analisar a trajetória de Siegfried como a vitória da religiosidade sobre o paganismo. Lembremos que a história data do início da idade média, quando o poder da igreja encontrava-se presente nas cortes européias.

Sangue como fonte de poder / energia:

Neste momento, Hagen fala do ato de Siegfried banhar-se no sangue do dragão:

Noch ein Abenteuer ist mir von ihm bekannt:
Einen Linddrachen schlug des Helden Hand;
Da er im Blut sich badete, ward hörnern seine Haut:
Nun versehrt ihn keine Waffe: Das hat man oft an ihm geschaut.” (104)

Siegfried é um herói cristão (tal fato fica subentendido, quando Kriemhild, após a morte do esposo, demora a considerar seu casamento com o rei dos hunos - Etzel - por este ser pagão) que derrota o dragão (símbolo pagão e, segundo a cristandade, um dos símbolos do pecado). Essa figura pode ser entendida como a vitória do cristianismo sobre o paganismo (ascenção da igreja). Em seguida, Siegfried banha-se no sangue do ser morto, tomando para si sua força descomunal. Podemos ver, nessa figura, um ato de “bruxaria”, pois tal força não foi dada por intermédio de Deus, mas, sim, por um símbolo do pecado. Dessa forma, temos como que Siegfried incorporasse em si o mal do dragão, indo, dessa forma, contra a doutrina da igreja, mesmo que sua força seja usada para o bem de seu reino (o que, às vezes, pode significar o mal de outros). Aqui, enquanto Siegfried está vivo, temos a vitória do paganismo sobre o cristianismo. Seguindo o decorrer da história, quando o herói é morto, triunfa novamente a vitória do cristianismo, mesmo que essa tenha sido causada por inveja, mentira e traição. É como se o bem utilizasse as “forças do inimigo” para derrotá-lo.

Há outra citação sobre o sangue como fonte de energia em:

Da begann von Tronje Hagen, der Ritter gut:
"Wen der Durst bezwingen will, der trinke hier das Blut,
Das ist in solcher Hitze besser noch als Wein;
Zu essen und zu trinken kann hier nichts anderes sein." (2180)

Aqui, Hagen sugere aos guerreiros, durante a penosa batalha contra os hunos, a beberem do sangue dos inimigos mortos, pois “é melhor do que vinho”. Essa imagem é fortíssima, pois podemos ver a renovação da vida, da energia àqueles que bebem do sangue de outrem. Em algumas sociedades antropófagas, o ato de devorar o inimigo significa tomar para si todas as forças e qualidades dele. Tomando o sangue do outro, os guerreiros burgúndios revitalizam suas energias, “roubando-as” daqueles que já pereceram; é como um renascimento do poder, da força e da vontade de lutar. Outra leitura provável é a alusão bíblica. Cristo oferece seu sangue àqueles que dele queiram beber, e, estes, ao fazê-lo, entram em comunhão com ele, “permanecendo um no outro”. Da mesma forma, aqueles guerreiros deram suas vidas em sacrifício, e por serem nobres e corajosos cavaleiros, feliz daquele que revigorar suas energias com seu sangue.

A existência do tesouro dos Nibelungos pode ser considerada conseqüência da presença do maravilhoso, uma vez que foi o herói dos Países Baixos que o conquistou. Segundo a narrativa, o tesouro parece ser infindável e as descrições sobre ele são sempre exageradas, assim como as dos tesouros e riquezas dos reis, mas analisaremos isso mais adiante.

Mais uma evidência desse atributo literário é a capa mágica que Siegfried obteve dos Nibelungos. Com essa vestimenta, o herói (ou qualquer outro que a vista) terá o poder de se tornar invisível. Essa peça é importantíssima, principalmente quando Siegfried auxilia Gunther na conquista de Brunhild, a poderosa rainha da Islândia. Dotada de extremas força e beleza, ela se casaria apenas com aquele que a derrotasse em três desafios: arremesso de lança, de pedras e salto. Ao tornar-se invisível, Siegfried fez todas as tarefas enquanto Gunther apenas fingia ser ele quem as realizava. Vencida, a rainha parte para o Reno, casando-se com Gunther.


Presença das Ondinas (Ninfas)

Assim como em “Édipo Rei”, temos a presença das previsões catastróficas, aqui feitas pelas Ondinas que, como na tragédia grega, prenunciam com exatidão a fortuna dos aventureiros. A aparição destes seresse dá apenas uma vez em toda a trama, fato que não podia ser diferente, principalmente por conta da peripécia (ou “semi-peripécia”) que causam na história.

Devemos nos perguntar qual a real importância dessas previsões nas futuras ações dos personagens, uma vez que tais premunições sempre se concretizarão, mesmo que o resultado final seja desencadeado pela tentativa do personagem de evitá-lo.

Não esqueçamos também do início da trama, quando Kriemhild teve um sonho premunitório sobre a morte de Siegfried, conforme interpretação da rainha Uote.

- Darini

sábado, 1 de maio de 2010

A Canção dos Nibelungos - parte 1

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A Linguística e a Epopeia:

Uma Raiz muito comum nas Línguas Germânicas, {hag}, proveniente de *{kailos}, cujo significado é “santo”, também aparece de forma interessante no Gótico: háuheins significa louvar e háuhjan significa glorificar. Um exemplo interessante que já ocorria no Alemão Antigo é o nome próprio Hagen, retirado da primeira epopéia germânica, chamada “A Canção dos Nibelungos”. Embora seja o vilão da história, não seria de se estranhar que se tratasse mesmo da Raiz {hag} = santo, pois sua lealdade à rainha protagonista da trama o leva à morte. A análise desta Raiz encontra-se abaixo:

Tabela A - Derivados da Raiz *{kailo} > {hag}:

Idioma

Palavra

Raiz

Sufixo


Anglo-Saxão

Halig

{hal}

{ig}

Alemão

Heilig

{heil}

{ig}

Inglês

Holy

{ho}

{ly}

Holandês

Heilig

{heil}

{ig}

Norueguês

Hellig

{hell}

{ig}

Sueco

Helig

{hel}

{ig}

Aqui, temos mais dois exemplos de nomes próprios retirados da história:

Tabela B - Sigfried:

Raiz - *{PERD} > {PRI} > {FRI} = quebrar

Raiz - *{SEG} > {SI} > {SIEG} = vitória

Idioma

Palavra

Raiz

Sufixo

VT


Alemão Antigo

Sifride

{si}; {frid}

não há

{e}

Alemão Moderno

Siegfried

{sieg}; {fried}

não há

não há


Tabela C - Brunhild:

Raiz: {BRUN} (francês) = louro

Idioma

Palavra

Raiz

Sufixo

VT


Alemão Antigo

Prvnnhilde

{prvnn}

{hild}

{e}

Alemão Moderno

Brunhild

{brun}

{hild}

não há


Vê-se, a princípio, a metátase em *{perd} (i.e.) > {pri} e, em seguida, há um efeito consonantal inicial em {pri} > {fri}. Há também a perda da Vogal Temática, por assimilação, da palavra Sifride, quando passada do Alemão Antigo para o Alemão Moderno. Quanto à Raiz *{seg}, a mudança de e para i ocorre já no Gótico *sigus e no Anglo-Saxão sig, provavelmente por influência de uma vogal fechada final.

É muito interessante a preocupação semântica dos nomes pelo autor da trama. Nela, Siegfried tem claras as características do herói: disposto a conquistar a bela Kriemhild, vai ao reino dos burgúndios, na cidade de Worms, ameaçando os regentes de tomar-lhes os domínios. Com o passar da trama, contudo, Siegfried parece desistir da idéia e acaba tornando-se aliado de Gunther, o rei burgúndio (também pelo fato de que a irmã deste agradava ao jovem herói). Com a ajuda de Siegfried, o soberano consegue vencer os saxões e os dinamarqueses, além de conquistar a poderosa Brunhild rainha da Islândia.

Dono de uma força extraordinária, Siegfried tem um único ponto fraco: uma pequena região nas costas, pela qual é morto por Hagen. A morte do guerreiro invencível (Siegfried) nos remete às Raízes de seu nome: “a quebra da vitória”; a derrota daquele que sempre vencia.

Por outro lado, o BRUN (francês, que significa “louro”) é a descrição física padrão de uma rainha nórdica: a branca de olhos azuis com cabelos loiros. Vimos, nesses pequenos exemplos, a preocupação literária de quem escreveu a epopéia, ligando o valor semântico da palavra às características dos personagens.

- Darini