domingo, 30 de maio de 2010

A Canção dos Nibelungos - parte 4

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Veja aqui a Parte 1 desta análise - A Linguística e a Epopeia

Veja aqui a Parte 2 desta análise - A presença do maravilhoso na construção dos personagens

Veja aqui a Parte 3 desta análise - O Herói


Parte 4: O papel dos personagens femininos

Como na poesia trovadoresca, nesta obra há a exaltação do feminino como o ser inalcançável, desenvolvendo nos personagens um amor platônico exagerado. Ao início da trama, Siegfried fica um ano no Reno sem sequer ver o rosto de Kriemhild e, mesmo assim, a amava.

"So wohnt' er bei den Herren, das ist alles wahr,

In König Gunthers Lande völliglich ein Jahr,

Dass er die Minnigliche in all der Zeit nicht sah,

Durch die ihm bald vieles Liebes und auch viel Leides geschah". (143)

Conforme o desenrolar dos fatos, percebemos que esse amor é correspondido, pois nenhum outro cavaleiro interessava à princesa a não ser Siegfried.

Há apenas três personagens femininos principais: a rainha Uote, dos burgúndios (que dentre as principais é a que exerce um papel secundário), Kriemhild e Brunhild, sendo estas duas últimas as responsáveis pela maior parte da sucessão de fatos após a morte de Siegfried (incluindo-se esta).

Curiosamente, Brunhild desaparece após a ida dos burgúndios à terra dos hunos. Há poucas menções de seu nome na trama a partir daquele fato, e nada do que faz enquanto seu marido e guerreiros estão fora é descrito.

Do lado de Kriemhild, temos o sentimentalismo exagerado após a morte de Siegfried. É nesse momento que a sede de vingança da rainha traz terror e morte a seus familiares e amigos. A maldade que nasce em seu coração não é pelo poder, mas a satisfação de poder se vingar totalmente daqueles que fizeram seu marido perecer. Ela age como uma Lady Macbeth “às avessas”, esbanja com presentes, vestes e terras; promete um futuro grandioso ao que por ela se vingar. Ao final da história, mata com suas próprias mãos o assassino do marido; aliás, essa imagem da decapitação de Hagen nos remete àquela em que Siegfried lança seu escudo contra o traidor. Aqui, é como se Kriemhild incorporasse Siegfried para continuar a batalha que há anos havia começado.

O poeta, ao elaborar Kriemhild, criou um personagem cujo amor é proporcional ao ódio, mesmo que ambos ajam em sentidos opostos. Sentimos a intensidade dos dois, essa dualidade de igual penetração àquele que lê, expondo um forte aspecto psicológico na formação do personagem, assim como a reflexão deste em seus atos. A nobre, pura e apaixonada princesa pega a espada e decepa seu inimigo de forma covarde, assim como Siegfried fora assassinado pelas costas. É o fim do estereótipo da “jovem donzela”.

Durante a narrativa, Kriemhild e Brunhild fazem uma trajetória comum, mas oposta uma da outra: enquanto a primeira é a “princesa padrão”, a outra é uma rainha guerreira. Mais tarde, Brunhild perde seus poderes, enquanto a psiquê de Kriemhild a transforma numa mulher sem escrúpulos para satisfazer sua sede de vingança. O próprio desaparecimento de Brunhild, nos momentos finais, nos sugere que ela realmente tenha adotado um comportamento passivo em relação aos demais (principalmente a Gunther). Não sabemos, porém, que fim ela possa ter levado como soberana do Reno, após a morte de seu marido.

- Darini

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