sexta-feira, 14 de maio de 2010

A Canção dos Nibelungos - parte 2

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A presença do maravilhoso na construção dos personagens

Vemos, em “A Canção dos Nibelungos”, a presença do maravilhoso na construção do personagem principal - Siegfried. Dotado de uma força magnífica e fora do comum proveniente do banho que tomou com o sangue de um dragão após tê-lo derrotado em batalha, o herói é tido como uma bênção pelos exércitos a que se alia, pois isso significa a vitória de suas forças.

Como em “A Demanda do Santo Graal”, nesta trama, a religiosidade anda lado-a-lado com o maravilhoso, não na freqüência em que aparecem, mas na influência que exercem sobre o enredo. A presença do dragão e dos poderes dados a Siegfried por seu sangue têm o mesmo grau de importância, nesses personagens, do que a religiosidade de Kriemhild.

Podemos analisar a trajetória de Siegfried como a vitória da religiosidade sobre o paganismo. Lembremos que a história data do início da idade média, quando o poder da igreja encontrava-se presente nas cortes européias.

Sangue como fonte de poder / energia:

Neste momento, Hagen fala do ato de Siegfried banhar-se no sangue do dragão:

Noch ein Abenteuer ist mir von ihm bekannt:
Einen Linddrachen schlug des Helden Hand;
Da er im Blut sich badete, ward hörnern seine Haut:
Nun versehrt ihn keine Waffe: Das hat man oft an ihm geschaut.” (104)

Siegfried é um herói cristão (tal fato fica subentendido, quando Kriemhild, após a morte do esposo, demora a considerar seu casamento com o rei dos hunos - Etzel - por este ser pagão) que derrota o dragão (símbolo pagão e, segundo a cristandade, um dos símbolos do pecado). Essa figura pode ser entendida como a vitória do cristianismo sobre o paganismo (ascenção da igreja). Em seguida, Siegfried banha-se no sangue do ser morto, tomando para si sua força descomunal. Podemos ver, nessa figura, um ato de “bruxaria”, pois tal força não foi dada por intermédio de Deus, mas, sim, por um símbolo do pecado. Dessa forma, temos como que Siegfried incorporasse em si o mal do dragão, indo, dessa forma, contra a doutrina da igreja, mesmo que sua força seja usada para o bem de seu reino (o que, às vezes, pode significar o mal de outros). Aqui, enquanto Siegfried está vivo, temos a vitória do paganismo sobre o cristianismo. Seguindo o decorrer da história, quando o herói é morto, triunfa novamente a vitória do cristianismo, mesmo que essa tenha sido causada por inveja, mentira e traição. É como se o bem utilizasse as “forças do inimigo” para derrotá-lo.

Há outra citação sobre o sangue como fonte de energia em:

Da begann von Tronje Hagen, der Ritter gut:
"Wen der Durst bezwingen will, der trinke hier das Blut,
Das ist in solcher Hitze besser noch als Wein;
Zu essen und zu trinken kann hier nichts anderes sein." (2180)

Aqui, Hagen sugere aos guerreiros, durante a penosa batalha contra os hunos, a beberem do sangue dos inimigos mortos, pois “é melhor do que vinho”. Essa imagem é fortíssima, pois podemos ver a renovação da vida, da energia àqueles que bebem do sangue de outrem. Em algumas sociedades antropófagas, o ato de devorar o inimigo significa tomar para si todas as forças e qualidades dele. Tomando o sangue do outro, os guerreiros burgúndios revitalizam suas energias, “roubando-as” daqueles que já pereceram; é como um renascimento do poder, da força e da vontade de lutar. Outra leitura provável é a alusão bíblica. Cristo oferece seu sangue àqueles que dele queiram beber, e, estes, ao fazê-lo, entram em comunhão com ele, “permanecendo um no outro”. Da mesma forma, aqueles guerreiros deram suas vidas em sacrifício, e por serem nobres e corajosos cavaleiros, feliz daquele que revigorar suas energias com seu sangue.

A existência do tesouro dos Nibelungos pode ser considerada conseqüência da presença do maravilhoso, uma vez que foi o herói dos Países Baixos que o conquistou. Segundo a narrativa, o tesouro parece ser infindável e as descrições sobre ele são sempre exageradas, assim como as dos tesouros e riquezas dos reis, mas analisaremos isso mais adiante.

Mais uma evidência desse atributo literário é a capa mágica que Siegfried obteve dos Nibelungos. Com essa vestimenta, o herói (ou qualquer outro que a vista) terá o poder de se tornar invisível. Essa peça é importantíssima, principalmente quando Siegfried auxilia Gunther na conquista de Brunhild, a poderosa rainha da Islândia. Dotada de extremas força e beleza, ela se casaria apenas com aquele que a derrotasse em três desafios: arremesso de lança, de pedras e salto. Ao tornar-se invisível, Siegfried fez todas as tarefas enquanto Gunther apenas fingia ser ele quem as realizava. Vencida, a rainha parte para o Reno, casando-se com Gunther.


Presença das Ondinas (Ninfas)

Assim como em “Édipo Rei”, temos a presença das previsões catastróficas, aqui feitas pelas Ondinas que, como na tragédia grega, prenunciam com exatidão a fortuna dos aventureiros. A aparição destes seresse dá apenas uma vez em toda a trama, fato que não podia ser diferente, principalmente por conta da peripécia (ou “semi-peripécia”) que causam na história.

Devemos nos perguntar qual a real importância dessas previsões nas futuras ações dos personagens, uma vez que tais premunições sempre se concretizarão, mesmo que o resultado final seja desencadeado pela tentativa do personagem de evitá-lo.

Não esqueçamos também do início da trama, quando Kriemhild teve um sonho premunitório sobre a morte de Siegfried, conforme interpretação da rainha Uote.

- Darini

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