terça-feira, 18 de outubro de 2011

Acordo Ortográfico: Matando Pulga com Canhão

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Não sei por que há tanta discussão e preocupação, por parte da mídia e "escolares", com o Novo Acordo Ortográfico. Da forma como a coisa é colocada, dá-me a impressão de que ele é a salvação do ensino da Língua Portuguesa no Brasil, o que, claro, não é verdade.

O tempo gasto na (estúpida e inútil) discussão do "co-herdeiro" ou "coerdeiro" poderia ser muito mais bem utilizado (e NÃO "melhor" utilizado) em dois temas básicos para um melhor entendimento da Língua: Sintaxe e Semântica.

Sim, meus caros dois leitores: mandar aluno decorar listas e mais listas de palavras nada mais é do que emburrecê-lo, pois é através da Semântica e Sintaxe que ele entenderá a lógica da Língua, as nuances do discurso conotativo e denotativo, as engrenagens que formam a máquina da Língua.

De que adianta saber se é co-axial ou coaxial, se ele não tem ideia do que isso significa? Não se pode dizer que um medíocre (não por própria culpa) escrevendo da forma ortográfica padronizada "sabe mais Português" do que um bom articulador de estruturas linguísticas que, por ventura, venha a desconhecer partes do acordo (ou todo ele).

Sabe aquele contrato cheio de ciladas nas entrelinhas escrito por aquele advogado sanguessuga? A missão do professor é tentar fazer seus pupilos entenderem justamente isso. Da mesma forma, deveriam saber identificar um texto jornalístico malicioso. Ao ler, devem perguntar: "Para que lado o autor quer me levar? Do que quer me convencer?"

É um trabalho difícil, árduo. O Professor de Português deveria trabalhar como um desalienador social, um terror para os políticos! Mas o que fazer, quando o próprio professor teve uma educação primária precária e uma educação superior ineficiente? (parte da) Solução: o ensino reforçado de Semântica e Sintaxe, já que, pela primeira, o aluno entrará em contato com os sentidos das palavras na Língua. Verá, sobretudo, casos em que o uso conotativo de um termo é tão sutil, que o leitor desavisado poderá entendê-lo como oposto àquilo que o autor quis dizer. Na segunda, ele estudará as relações entre Sintagmas.

Numa fala sutil ou irônica, qual o real "lado" do autor? É uma crítica ou elogio ao assunto de análise? Há elementos anafóricos ou catafóricos que ajudam (ou atrapalham) no resgate das ideias e elementos? Os elementos de ligação (conjunções) estão bem empregados?

A educação deve, sim, dar menos importância ao "acento que caiu", como parece estar fazendo a mídia Portuguesa, que insiste em escrever "acção", "objecto" etc. Deveríamos estudar a nova ortografia apenas como apoio, não como item principal. Claro, tudo isso deve ser aquele pequeno (mas importante) percentual de tudo o que deve ser mudado na educação brasileira. Deve-se acabar com o pensamento do "cai no vestibular" (que serve para que, mesmo?), mandando por terra a máfia cursinhos x ENEM x faculdades "de nome" (não existe faculdade boa. Existe faculdade de nome).

Onde trabalho, tive a chance de ministrar um curso chamado "Práticas para um uso competente da Língua Portuguesa", cujo público-alvo eram pessoas da faixa de 40-50 anos. Embora o nome seja pomposo, ele nada mais é do que uma mistura (divertida, até) de Gramática e Técnicas de Redação. Pela idade, todos passaram pelo que chamam de ensino "tradicional", aquele que diz, para o terror das pedagogas, "o professor transmite conhecimento para o aluno".

O mais interessante foi notar que as dificuldades encontradas por eles não seriam muito diferentes daquelas que teriam alunos formados por outros currículos. Parte disso ocorreu, porque muitos já não tinham contato com as "coisas da Língua" há muito tempo. Mesmo assim, a turma me surpreendeu positivamente, já que, realmente, relembrar os conceitos de Regências, Concordâncias e afins pode ser um pouco... chato. Justamente por isso é importante uma base escolar forte: o tijolo (another brick in the wall?) colocado lá atrás é que dará sustentação ao prédio (conhecimento) montado hoje.


- Darini