segunda-feira, 23 de agosto de 2010

À derradeira namorada

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Morte, morte...

Quero sentir sua mão em meu rosto,
como uma leve brisa matinal que, bem de leve,
balança as folhas das árvores.

Quero sentir seu beijo como um raio de luar
que bate em minha pálida face.

Quero sentir seu corpo como
o perfume das flores postas sobre meu
gélido ser.

Quero dormir como se dormiria numa noite sem fim,
sem estrelas e sem luar.
Hibernação eterna.

Morte, morte...

Quero viajar rumo ao nada. Que este pedaço
de carne se desfaça...
que não deixe vestígios. Nem pó.

Quero desfrutar de seus segredos...
e só você saberá dos meus, minha fiel
confidente e ouvinte.

Que teu sopro final me dê e
me tome a última fagulha de prazer.

Que teu abraço cadavérico me traga o
definitivo sentimento de paz.

Amém.


- Darini

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A Metáfora

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A Metáfora é, creio, a maior invenção comunicativa humana. É um modo escondido de dizer uma situação, sentimento ou descrição que parecem claros, uma maneira lógica (!!!) de forçar o raciocínio por códigos, às vezes, difíceis de serem interpretados.

O maior objetivo da Metáfora é o de surpreender o leitor (no caso de um texto escrito). Depois, se muito usada e desgastada, corre o sério risco de cair no limbo maldito dos clichês (ou dos clichês malditos).

A Metáfora pode ser mais elaborada, como pode-se ver neste trecho do Poema "Violões que choram", de Cruz e Souza:

Quando os sons dos violões vão soluçando,
Quando os sons dos violões nas cordas gemem,
E vão dilacerando e deliciando,
Rasgando as almas que nas sombras tremem.

Em outros casos, a Metáfora pode ser ainda mais difícil, como neste excerto de Garcia Lorca - ("A Selva dos Relógios" - retirado do sítio http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=12035 ):

"Os morcegos nascem / das esferas. / E o bezerro os estuda / preocupado. / Quando será o crepúsculo / de todos os relógios? / Quando essas luas brancas / se fundirão aos montões?"

No poema acima, reparem na complexidade das Metáforas utilizadas. Sei pouco sobre o assunto, mas o Surrealismo carrega a ideia de construir / desconstruir, bem como a de estar "fora" do real, ou a de representar elementos oníricos. De qualquer forma, se tentarmos formar essas figuras em nossa mente, teremos criado um acervo imaginário bem interessante.

Por outro lado, há os clichês, que, como disse antes, não deixam de ser Metáforas: "Não sobrará pedra sobre pedra"; "Meus filhos, minha vida"; "Há uma luz no fim do túnel" etc. Eles podem ter tido ar de novidade em alguma época, mas, hoje, lidos em praticamente qualquer contexto, parecem estar escritos em linguagem denotativa, tal é a frequência com que nos deparamos com eles. Não causam mais surpresa ao leitor. Virou chavão, lugar-comum.

E, claro, não podemos ignorar o fato de haver elementos metafóricos na construção de palavras. Se analisarmos Morfemas em geral (mormente as Raízes), perceberemos isso. Por exemplo, na palavra "colaborar", há o Prefixo {co}, que significa junto, e a Raiz {labor}, que significa trabalho. Se alguém pede a "colaboração de todos", esses elementos não ficam explícitos. Talvez, com as palavras do dia a dia, com as Raízes e demais Morfemas aglutinados, a situação que temos é a de "além-clichê". Colaborar, para a maioria de nós, remete à ideia de ajudar. E só.

Outra palavra interessante é "explicar". Nela, há o Prefixo {ex}, significando muito, e a Raiz {plic}, que significa dobrar. É a mesma Raiz presente nas palavras multiplicar, triplicar etc. Traduzindo a palavra através de seus Morfemas, temos algo como "dobrar para fora" - dobrar sua fala, seus exemplos, até que seu interlocutor entenda.

Portanto, seja na formação de palavras, seja na elaboração da mais elaborada poesia, a presença da Metáfora mostra um lado interessante da mente humana: o de associar, fazer comparações, esconder ou disfarçar seus sentimentos e medos.

Não concordava muito com a máxima "O Poeta é um fingidor" de Fernando Pessoa, mas acho que ele tem razão. Todos somos.

- Darini

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Com os parceiros também...

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A postagem anterior me fez lembrar do caso "parceiro" e "parceria". Uma rápida pesquisa no Google mostra, aproximadamente, 60.000 ocorrências para "parceiria" em detrimento de parceria. Da mesma forma que o caso beneficente / benefício, essa mudança é consequência da presença de um Sufixo. Vejamos:

A palavra parceiro tem:

Raiz {parc} = porção dividida
Sufixo {eiro} = produtor (que produz)

A junção desses dois Morfemas é direta: não há Vogal ou Consoante de ligação para "atrapalhar" no processo de formação da palavra. Ao contrário, parceria tem um outro detalhe:

Raiz {parc} = porção dividida; {er} = unir
Sufixo {ia}= qualidade

Ou seja, nesse caso há uma segunda Raiz, {er}, que se une a {parc}, também sem Vogal ou Consoante de ligação, pois não há essa necessidade. Ao se escrever "parceiria", ignora-se (ou modifica-se) a Raiz {er} para {eir}, que tem outro significado (terra). Claro, é a influência do {eiro} em parceiro que causa esse erro. Basta ter atenção.

- Darini

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Beneficente + Benefício = Beneficiente? Não!

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Foi no CQC de 02/08/2010 (clique aqui para assistir) que a repórter questionou vários "famosos" sobre qual seria o correto: evento beneficente ou beneficiente. Não houve surpresa nas respostas, já que muita gente coloca esse "i" no meio da palavra, pois relaciona-o à palavra "benefício", o que não é bem verdade. Vejamos:

Em benefício, temos duas Raízes e um Sufixo, a saber:

Raiz: {ben} = bom; {fic} = fazer (é alomorfe da Raiz {fac}; está presente nas formas verbais fiz, fizemos etc.)
Sufixo: {io} = ação.
Vogal de ligação: {e}

Ou seja, "traduzindo" a palavra de acordo com seus Morfemas, teríamos algo como "ação de fazer o bem", o que parece ser bem similar em beneficente:

Raiz: {ben} = bom; {fic} = fazer
Sufixo: {ente} = ação
Vogal de ligação: {e}

Escrevemos, pois, sem o {i} mencionado anteriormente, pois o Sufixo é {ente}, e não *{iente}. Não falamos *cariente, *rapidamiente etc. Ao contrário, o {i} de benefício está presente no Sufixo {io}. Essa diferenciação na escrita é, justamente, causada pelos diferentes Sufixos que fazem parte dessas duas palavras, e não pelo (falso) fato de beneficiente ser "derivado" de benefício.

Portanto, lembre-se: Fui rapidamente levar aguardente ao evento beneficente.

- Darini