terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Sinestesia Pura

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Se as cores tivessem cheiro
O vermelho cheiraria ouro
O azul seria primavera
E o verde traria em si o mar

Se as cores tivessem cheiro
O branco cheiraria como fogo
O rosa, madeira ou montanha
E o marrom seria como as nuvens

Se as cores tivessem cheiro
O amarelo seria como a Lua
O lilás, como o Sol
E o bege cheiraria como as estrelas

Se as cores tivessem cheiro
O preto cheiraria neve
O prata seria cachoeira
E o laranja, o cheiro da alma

Se as cores tivessem cheiro
O ciano cheiraria paz
O bordô seria um choque
E o marfim cheiraria como descanso

Se as cores tivessem cheiro
O cinza cheiraria árvore
O creme seria fauna
E o magenta cheiraria a mundo

Se as cores tivessem cheiro
O coral cheiraria como raiva
O salmão seria como as raízes
E o violeta cheiraria a coração

Se as cores tivessem cheiro
O dourado seria como angústia
O mocassim cheiraria a luz
E o fuchsia lembraria vigor

Se as cores tivessem cheiro
Ficaria inebriado por elas
Se as cores tivessem cheiro
Ah, se elas tivessem...

- Darini

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Leia Khanagem! Ouça Khanagem!

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Não é por nada, mas a página do Arcanjo Khanagem CONTINUA a todo vapor! Tem atualização às terças e, quando possível, às quintas. Sempre lembrando:

khanagem.blogspot.com.br


Nosso Arcanjo preferido esculacha com todos os tipos, para desespero da esquerda e da direita.


LEIA KHANAGEM! OUÇA KHANAGEM!

- Darini

sábado, 7 de novembro de 2015

Brigado Você!

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- Brigado você! – disse o cliente.
- Não, não. Brigado você! – respondeu o comerciante.
- Eu gostei muito do seu atendimento e da sua loja. Então, sou eu que agradeço!
- Mas nós não somos nada sem o cliente. A gente vive com o dinheiro de vocês. Então, brigado você!
- Olha, se fosse algo supérfluo o que eu estou comprando, ainda vai. Mas isso é um item de primeira necessidade. É sério, brigado você!
- Bom, eu não vou discutir mais com você. Brigado você, e essa é minha palavra final.
- Eu também já me cansei. Pega esse seu brigado você e vai pro inferno com ele!
- Eu até iria pro inferno, mas acho que não convém. Lá já está bem lotado com os membros da sua família!
- Ah, então é assim, seu corno!
- Tá me chamando de corno, é?
- Qual parte você não entendeu? CORNO! Com tudo em maiúsculo!
- Contudo, conjunção subordinativa adversativa? Assim como mas, porém, todavia e entretanto?
- Não, seu idiota, com – espaço – tudo! Preposição e pronome!
- Por favor, saia agora do meu estabelecimento, antes que eu chame a polícia.
- O quê? Está me expulsando daqui?
- Sim, se quiser chamar assim. A porta da rua é serventia da casa.
- Quer que eu saia, então eu saio. Brigado você!
- Volta aqui, seu maldito! Brigado você! Brigado você! Brigado você um milhão de vezes!
- Brigado você um bilhão de vezes!
- Brigado você infinitas vezes.
- Brigado você infinitas vezes mais 10!
- Seu ignorante, infinito é infinito. Não existe um infinito maior do que o outro!
- É claro que existe! É só estudar cálculo avançado, seu burro!
- Está me ensinando matemática?
- Sim!
- Então, brigado você!
- Vou embora mesmo. Tchau!
- As coisas que eu tenho que aguentar... mas vou é atender esse outro cliente, que eu ganho muito mais. Boa tarde, são vinte e dois e cinquenta; aqui está seu troco.
Cliente não diz nada e vai embora.
- Que sujeitinho mal-educado. Nem pra agradecer...


- Darini

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Parem o mundo, que eu quero descer...

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Tive de incorporar o Arcanjo Khanagem para escrever sobre a tragédia que levou embora a família do garotinho naquela praia da Turquia.


Ou a humanidade muda radicalmente... ou, sei lá...

- Darini

terça-feira, 4 de agosto de 2015

17 anos

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O breu do quarto tornava ainda mais aterrorizante o barulho dos trovões anunciadores da chuva que, em breve, cairia do lado de fora. Nas paredes, fotos de um passado saudoso, tempos de sonho e esperança ainda vivos em sua memória. A saudade judiava e, ao mesmo tempo, rejuvenescia.

              A televisão estava desligada há tempos. Em cima da mesa, uma xícara de café que já se tornara frio e, ao lado, o porta-retratos mostrava o falecido amor, a eterna companheira do então jovem de 17 anos.

              A luz estava apagada. O não-ver as coisas lhe trazia um pouco de conforto, de aconchego. Poderia imaginar tudo como bem lhe conviesse, de um modo perfeito, que, conforme pensava, era como deveria ser. Imaginava-a do seu lado, pegando na sua mão e olhando no fundo dos seus olhos. Não falava, pois não precisava, não era necessário. Os olhares e o tato diziam tudo. Sentiam tudo. Pensativo, voltou à sua juventude... e sonhou...

              Sonhou que estava em uma cidadezinha no interior da Europa. No alto da mais bela colina, ele podia desfrutar da maravilhosa visão que lhe dava o vilarejo, com pessoas passeando e trabalhando tranquilamente, as crianças e seus animais correndo e brincando de um lado para o outro. A floresta, que parecia levar ao infinito quem nela entrasse e, do outro lado, enormes montanhas com alguns pouquíssimos chalés nas trilhas para os cumes. A neve em seu topo era um espetáculo à parte, fazendo com que parecessem uma pintura à óleo. Aquela beleza fascinava o jovem: tudo aquilo mais parecia o tempo medieval, como havia lido nos livros de história. As pessoas tinham roupas e um modo de vida bem simples que, de longe, parecia bem mais gostoso do que aquela correria da agitada e moderna cidade em que passou os últimos anos. Podia-se ouvir o som verdadeiro da natureza, dos animais e até o das pessoas conversando num tom suave e ameno.

              Piscou os olhos, e voltou para sua escura e vazia sala. Do lado de fora, ouvia o ladrar dos cães reclamando do mau tempo. Da fome, talvez. Fechou os olhos novamente, e viu uma grande festa num enorme salão. Lá, estavam todos os seus amigos do tempo da louca juventude. No meio do salão, havia um grande lustre, como aqueles que encontramos nas casas de gente abastada. Várias mesas tinham, à disposição dos convidados, os mais diferentes pratos e bebidas. Comidas leves, pesadas, frias, quentes... tudo a um passo de distância de quem as quisesse saborear. Nas paredes, belos quadros de grandes artistas transformavam aquele local num sarau das artes plásticas. Adorava aquilo. As molduras das janelas eram detalhadas, obras de arte para anunciar outra obra: o amplo jardim que descansava sob as estrelas no lado de fora.

              A música começou. Era uma valsa. Desesperado, corre por todo o salão em busca de seu par, sua grande amada. Estava sentada, parecendo como se à sua espera. Vestia um longo vestido rosa com detalhes em branco. O cabelo estava impecável, montado com uma bela tiara dourada. Estava imponente.

              Ele se aproximou e chamou-a para dançar. Ela atendeu seu chamado prontamente, e bailaram por horas a fio. Olhos nos olhos, não conseguiam enxergar mais ninguém em seu caminho... apenas conseguiam escutar aquela música, que mais parecia vozes angelicais entoando seu cântico em homenagem ao amor daquelas duas criaturas. Estavam no céu, no paraíso. Aquilo era a verdadeira felicidade.

              Piscou os olhos, e voltou para sua escura e vazia sala. Do lado de fora, a chuva parecia ter diminuído, mas as negras nuvens não haviam ainda se dispersado. Estica o braço, toma um gole do já frio café. Não se importa com o sabor, nada mais o incomodava.

              Como eram bons os tempos daqueles 17 anos: a vida, as coisas, a cidade, sua família, as rotinas de adolescente... a descoberta do amor e de tudo a ele relacionado. Queria voltar àqueles tempos, daria tudo para que isso fosse possível, mas sabia que não era. O tempo passara, o velho senhor arcou com suas responsabilidades, fossem elas para o bem, fossem elas para o mal. Não se dá valor às coisas, quando as vivemos. Sempre esperamos o futuro e damos atenção ao passado para que, em vã esperança, tentemos modificá-lo ou explicá-lo. Para quê? Para nada.

              Fechou os olhos, e viu-se num extenso campo. Lá, andava tranquilamente de mãos dadas com sua namorada, seu amor. A grama era verde, as árvores estavam cheias de frutas doces e saborosas. Subiu num pé de goiaba, e pegou uma para que repartissem. Ao longe, o Sol despontava atrás das montanhas. Como era belo aquele lugar; provavelmente, era o campo mais verde, mais lindo, mais apaixonante que vira em toda sua vida. Com sua amada, sentia-se parte dele.

              Puxou-a pelos braços, fazendo-a correr sem rumo. Às vezes, pegava-a no colo e girava-a, fazendo-os ir ao chão, seguindo altas e confortantes gargalhadas, que só eram interrompidas para que pudessem ouvir o som dos pássaros que os honravam com suas primeiras canções do dia.

              Eles se olham apaixonadamente e beijam-se como se no primeiro encontro estivessem. Sentiam-se totalmente completados um pelo outro; não havia, na face da Terra, outras duas pessoas cujo amor fosse tão claro, tão real, tão mítico como o deles. O tamanho daquele amor era proporcional à intensidade da demonstração de carinhos e afetos que o casal fazia questão de oferecer um para o outro. Simplesmente, amavam-se.

              Piscou os olhos, e... estava com sua amada, num extenso e verdejante campo. O mais verde e vivo que já havia visto em sua vida.

- Darini

sábado, 1 de agosto de 2015

Tio Francisco

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No final da rua, morava um velho a quem todos chamavam de tio Francisco. Aparentemente, morava sozinho, já que nunca ninguém via outras pessoas entrando ou saindo daquela casa. Apesar da solidão e da idade, ele era um senhor muito bem-humorado e de bem com a vida, que gostava de todos. O que chamava a atenção, principalmente das crianças, era o modo como ele brincava com as palavras. Às vezes, dizia:

- Vocês combinaram de brincar na rua agora? Então podem sembinar, porque está ficando tarde; vou gritar a mãe de vocês daqui a pouco!

Quem já o conhecia sabia todas as nuances do “francisquês”; os novos moradores, porém, acabavam meio perdidos com esse estranho vocabulário, mas o tempo os fazia acostumar.

- Eu era professor e ensinava um monte de palavras novas a crianças como vocês! Hoje em dia, esses professores novos têm preguiça de ensinar! – dizia, sempre com um pouco de arrogância e orgulho na fala.

Alguns vizinhos emburrados, por outro lado, apenas achavam que ele era um velho estudado que gostava de aparecer.

- Está cansado? Então vá descansar! Correu muito? Então fique descorrido! Não dizem por aí que, se conselho fosse bom, vendia-se? Por isso que eu só dou sencelho!

- Brigou com o namorado? Então agora ele é seu nenraivado, até voltar a ser namorado novamente. Vai voltar, né? – perguntava, sem muita discrição, às moçoilas desamparadas.

E não parava por aí. Ele tinha resposta pra tudo. Se lhe perguntavam:

- Qual a sua Oração Subordinada favorita?

Ele respondia:

- Com certeza é a Objetiva Direta. É a melhor de todas, sem sombra de dúvidas!

Ou então:

- Qual o seu número favorito?

Ele mandava:

- É o 659878408489498,36 e meio. Sempre jogo com ele no bicho e nunca falha!

Às vezes, beirava a grosseria. Uma vez, perguntaram:

- Pode me ensinar a fazer Análise Sintática? Chegou as provas e não sei nada!

No que gentilmente respondeu:

- “Chegou” as provas? É, vai ser difícil mesmo...

Ou então:

- Ei, tio Chiquim, qual seu passatempo preferido?

- Pegar metrô às seis da tarde. Toda aquela gente fina num lugar só me leva ao Nirvana! – respondia.

Depois do almoço, Francisco ia para o pequeno quarto-biblioteca que tinha e casa, onde se esbaldava em leituras e mais leituras, hábito que cultivava desde a época de adolescência. “Ainda bem que aposentei, assim tenho mais tempo pra vocês, meus amigos arcadistas!” – falava consigo mesmo (ou com os arcadistas). Depois, tomava uma xícara de café e esperava o cair da preguiçosa noite.

Um dia, porém, tio Francisco morreu. Sozinho, em casa. Nem foi muito difícil para que sentissem a falta dele, já que era a sensação daquela vizinhança. Chegando a céu, deparou-se, logo de cara, com São Pedro. Sem pestanejar, disse-lhe:

- Fala, Pedrão! Cheguei cedo, porque o trânsito estava sengestionado!

- Darini

segunda-feira, 27 de julho de 2015

A Fuga

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Ele sabia que tinha de fugir. Por isso, corria desesperadamente pela relva, sem se preocupar com qual caminho seguir. Todos eram válidos; o importante era que saísse dali.

Todos os animais acompanhavam-no com o olhar, como se interessados no porquê de tamanha pressa. E ele corria.

Corria de tudo, de todos, de si mesmo. Corria dos problemas, das feras selvagens, das manadas e matilhas raivosas famintas por sua carne. Corria, porque seu instinto mandava. Corria, porque era levado pelo primitivismo que tomava conta de sua alma e do ambiente.

A cada dúzia de passos, uma pequena luta e um novo cansaço. Sentia-se pressionado, sufocado, angustiado. Era como se estivesse no corredor do pós-morte.

De vez em quando, sons horríveis tomavam conta de sua mente. Era como se a essência do sadismo o torturasse. Sentia tamanha crueldade martelando seu coração.

Preferiria estar em outro lugar, em outra situação. Mas sabia que tinha de correr. Sabia (ou achava) que sua vida dependia disso. Vivia como num teatro, numa eterna encenação das coisas por que passava e dos seres com quem se encontrava.

Queria que seu espírito e consciência pudessem se separar do corpo, e que atingissem um lugar de paz e tranquilidade, ao tempo em que o pedaço de carne móvel que sobrava pudesse exercer seu papel de saco de pancadas. Seria indolor. Seria o certo.

Não aguentava mais aquilo, mas sabia que tinha de continuar. Achava que não teria mais forças, mas algo como que mágico o empurrava adiante. E mais adiante. E mais adiante. Sabia que não poderia resistir, que aquela força é muito maior do que ele mesmo. Do que sua própria vontade.

Às vezes, atordoado, gozava por alguns momentos de inconsciência. Durante esse estado, conseguia se desligar de tudo. Por poucos segundos, sentia a paz.

Quando, porém, voltava a si, via-se cercado por mais de mil demônios, fazendo-lhe subir um frio na espinha que terminava com um suador na testa e nas mãos. Fechava os olhos, tentando, assim, amenizar aquela visão dantesca.

De repente, um apito agudo soava...”tuuuuuuuuuuuuuu-tuuuuuuuuuuuuuuuu...”

E uma tenebrosa voz anunciava:

- Estação Sé. Desembarque pelo lado esquerdo do trem.

- Darini

sexta-feira, 24 de julho de 2015

A Roupa

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- Que mulher pagaria 20 mil reais em uma roupa que a faz parecer com uma aeromoça?

A história era bem enclichezada: um investigador da Polícia Civil, prestes a se aposentar, toma para si um último trabalho: o assassinato de uma "socialite". O corpo, envenenado, jazia sobre a enorme cama. Ao lado dele, uma garrafa inacabada do mais caro vinho.

- Que desperdício! - bradou.

Olhava aquela cena com um espírito sinestésico. Ao mesmo tempo, estava com pena, raiva, tristeza, inveja, alegria, admiração, decepção, ojeriza e coceira no olho direito, provavelmente causada por aquela maldita poeira que a estrada de terra levantara.

Achava, porém, que sua carreira como investigador havia sido uma inútil e desastrosa perda de tempo, pois queria mesmo era ter sido violinista, carreira que só não seguiu adiante por causa de sua insistência em faltar às aulas. Ele tinha, de horas não estudadas de violino, totalizado quinhentas e trinta e oito.

A chuva caía vigorosamente do lado de fora, fazendo com que ele prolongasse o trabalho aquele quarto. Mais tarde, inventaria uma desculpa para dar um pulo até a cozinha, pois quem sabe não encontraria algo bom para comer? "Gente rica deve ter de tudo na geladeira" - pensou - ao mesmo tempo em que se esquecia de toda aquela comida sem graça servida em pequenas porções nas festas dos endinheirados.

Após tirar fotos de todos os cantos possíveis daquele quarto, resolveu ligar a televisão e jogar um pouco de videogame. Era um Playstation 4 comprado no dia do lançamento brasileiro, o que prova que aquela gente era mesmo rica. Uma jogatina assim, num dia chuvoso, o levava de volta à juventude, quando brincava com seu TK-90X após a faculdade. Acabou cochilando.

Horas depois, já longe da cena do crime, resolveu divagar e dar umas voltas a pé por aquele bairro tão nobre. Entusiasmava-se com as vitrines das lojas, torcendo para que seus colegas o presenteassem, ao se aposentar, com uma roupa ou relógio caro.
Mal sabia ele que, com aquele salário que ganhavam, presenteá-lo-iam apenas com uma plaquinha banhada a prata e uma gravata comprada em alguma loja barata no centro da cidade.

Aquele lugar até o tinha feito esquecer quem seriam os possíveis candidatos a assassino. Na verdade, ele não tinha a mínima ideia de como começar; só tinha entrado nesse caso por um capricho pessoal. Sua mulher já dizia que ele era o homem mais teimoso da Terra, e que deveria segurá-la até o fim de seus dias, pois não encontraria outra santa com toda aquela paciência.

Por ele, então, quando menos esperava, passa uma mulher esnobe, com apetrechos que pareciam ser caríssimos e um pequeno cachorro de raça a tira-colo. Só a roupa do cachorro era mais cara do que aquele terno surrado que ele vestia. Encarou a mulher com um pouco de vergonha, e continuou a andar. Um milésimo de segundo após passar por ela, grita:

- Finalmente! Descobri! Descobri!

Um largo sorriso tomou conta de seu rosto. Chegou até a dar um pulo de alegria. Continuou:

- Descobri que mulher pagaria 20 mil reais em uma roupa que a faz parecer com uma aeromoça.

- Darini