domingo, 22 de março de 2009

Pobre Iulia Faustilia...

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O Império Romano foi (e causou) uma grande miscelânia linguística. A lógica era simples: invadir um novo território e impor-lhe a língua. Os povos invadidos, claro, aprendiam o novo idioma do modo que melhor lhes conviesse, pois não havia infraestrutura escolar nem mesmo para os romanos "legítimos".

Como eram poucos os que sabiam escrever e, dentre esses, nem todos seguiam o latim padrão, estudiosos usam tais "erros" para estudar as variações no latim vulgar. Um desses exemplos pode ser visto através das famosas "tabuinhas execratórias" (
Tabellae defixionum), que nada mais eram do que "orações de maldizer" que as pessoas faziam a seus inimigos.

Um dos exemplos mais divulgados nos cursos de letras é o que segue:


"Te rogo que infernales partes tenes, commendo tibi Iulia Faustilia, Marii filia, ut eam celerius abducas et ibi in numerum tu abias."

Cuja tradução, conforme retirada do site especializado http://www.filologia.org.br/ , é:

"
A ti, que dominas as regiões infernais, peço e encomendo Júlia Faustila, filha de Mário, para que a leves mais rapidamente e conserves aí no número dos mortos"

Alguns comentários no que diz respeito ao texto (sem esquecer o amor demonstrado pela pobre Iulia):

a- Presença Próclise: "te rogo...". Um texto em Português, escrito nessas condições, faria com que qualquer gramático desejasse a seu autor o mesmo destino de Iulia;

b- Ausência do prefixo {en} na palavra commendo, como acontece em inúmeras outras palavras do Latim (o prefixo veio a ser afixado mais tarde);

c- Ausência da letra "J" em Iulia: sendo uma "criação" celta, é óbvio que essa letra não existisse no Latim;

d- Ausência do "H" na palavra abias (hás / tenhas).

São apenas algumas obviedades. Não fiz nenhuma análise das conjugações verbais ou declinações, mas já notamos um claro exemplo das variações da língua Latina.

- Darini

terça-feira, 17 de março de 2009

O Apanhador no Campo de Centeio - livro de J. D. Salinger

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Único. Diferente. Provocativo. Forte.

São esses, dentre muitos outros, aqueles adjetivos com que podemos caracterizar a obra “O Apanhador no Campo de Centeio”, em que o escritor norte-americano J.D. Salinger nos conta a peregrinação de Holden Caulfield, um adolescente burguês dos anos 40/50 que é expulso do notório colégio Pencey (o último dentre outros de que já havia saído) e tenta esconder esse fato de seus pais, adiando sua chegada em casa. Na verdade, esse “adiamento” de seu retorno ao lar é que causa toda a peripécia da história e os conflitos vividos por Holden nesse difícil e conturbado período da vida humana.

Durante toda a trama, temos o mundo (ou, mais precisamente, a cidade de Nova Iorque) mostrado de acordo com o ponto de vista de um adolescente. Seus amores, seus ódios, seus conflitos psicológicos... tudo foi escrito de tal maneira que aquele mais desavisado, ao ler a trama, pode mesmo pensar que foi escrito por um jovem da idade de Holden.

A linguagem (dando destaque especial para a tradução1) é simples, as gírias e palavreado sem preocupação normativa, às vezes repetitivos, nos colocam mais próximos do personagem principal, que é o narrador de suas aventuras. Os períodos são curtos e as conjuções parecem ter sido esquecidas em muitos momentos da história, remetendo-nos ao estilo de texto da época surrealista. Provavelmente, a intenção do autor (mantida, felizmente, pelos tradutores) foi de dar ao leitor a sensação de “assistir” à mente do protagonista enquanto as inúmeras ações vão acontecendo. Assim como os pensamentos nos surgem de repente, às vezes sem uma ligação “suave” de um com o outro, da mesma forma é o estilo em que a obra nos é colocada. Outra análise em relação a essa peculiaridade pode ser a de que o escritor nos quisesse mostrar a rapidez como as coisas aconteciam na vida, no falar e na mente do jovem: fato após fato, decisão após decisão.

Os tipos encontrados por Holden no decorrer da história são aqueles estereótipos que encontramos em todos os tempos e em qualquer lugar do mundo: o colega de quarto que pensa ser o “Don Juan” conquistador, o pentelho que mexe nas coisas dos outros sem permissão, o velho professor que ainda se preocupa em dar conselhos aos mais jovens e ficam abismados com a (aparente?) indiferença destes, o motorista de táxi grosseiro, a simpática freira, a prostituta, os cabarés, seus artistas e freqüentadores, as amigas / namoradas com quem vive as dúvidas e conflitos do amor, a família... enfim, em sua caminhada pela grande cidade, o jovem se depara com tipos encontrados por nós mesmos no dia-a-dia, e os comentários que faz destes, unidos aos pensamentos que ele tem, é aquilo que todos nós, de uma forma mais “agressiva” ou não, diríamos ou pensaríamos, se passássemos pelas mesmas situações.

“O Apanhador no Campo de Centeio” causa, naquele que o lê, uma mistura interessante de sensações: tristeza, pena, raiva, compaixão, um pouco de humor e crítica. Crítica a alguns valores enraizados na cultura ocidental como um todo, como a educação: Holden não conseguia se adaptar ao tradicionalismo dos colégios pelos quais passava. Curiosamente, havia passado apenas em inglês, disciplina que, em suas literaturas, requer uma visão maior do mundo, e não apenas a análise literal do escrito pelo escrito.

O jovem protagonista tem uma grande estima e amor pela família, sobretudo por seus irmãos: Phoebe (a mais nova), D.B., o escritor que se “prostituiu” ao aceitar trabalhar em Hollywood e Allie, já falecido, com quem parecia ter uma ligação transcedental. O modo com que esse irmão é citado nos comove, parecendo ser, em certas ocasiões, um “amparo” para o protagonista. Uma das partes mais bonitas e tocantes do livro é aquela em que Holden tem medo de atravessar a rua, pois imaginava-se caindo antes de chegar ao outro lado. Então, dizia ao irmão: “Allie, não me deixa desaparecer” e, ao cumprir sua meta, agradecia-o.

Outro trecho que merece menção é aquele em que o título do livro é mencionado pela 2ª vez. Erroneamente, Holden canta uma música dizendo “Se alguém agarra alguém atravessando o campo de centeio...” nesse momento, é corrigido por Phoebe, que diz que o certo seria “Se alguém encontra alguém atravessando o campo de centeio...” O fato é que o jovem imagina-se num enorme campo de centeio, com milhares de crianças correndo, e sua missão seria a de não deixá-los cair no abismo. Ele seria “O Apanhador no Campo de Centeio”, aquilo que realmente queria fazer na vida. Podemos ver essa “cena” como uma metáfora para o que ele buscava: a liberdade. O que parecia um adolescente rebelde “sem causa”, era na verdade alguém que queria se libertar de padrões sociais e regras.

Com um final inesperado (que tem uma ligação interessante com o início da trama), “O Apanhador no Campo de Centeio” é uma obra que merece ser lida, relida e discutida, principalmente pelos elementos psicológicos explorados por Salinger. Contemporânea, ela nos faz pensar em como cultivar nosso próprio “campo de centeio”.


1- A edição lida foi a da Editora do Autor - 13ª edição.

- Darini

terça-feira, 10 de março de 2009

Latim

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Antes de falarmos sobre o latim, eis alguns dados cronológicos para nos situarmos no tempo:

Fundação de Roma - Marco inicial: 753 A.C.
Realeza: Origens até 509 A.C.
República: de 509 A.C. a 27 A.C.
Império: de 27 A.C. a 476 D.C.

O “nascimento” de Roma, pela lenda de Rômulo e Remo, tem um caráter mais mítico do que histórico, mas considera-se a data de 753 a.C. como a fundação da cidade. Até o século VIII a.C., Roma foi habitada por camponeses vindos de Alba Longa, a pátria dos ancestrais de Rômulo, segundo diz a lenda. Depois, houve o estabelecimento de sabinos e etruscos.

Não há muita documentação relativa aos primeiros séculos de Roma. Documentos históricos muito posteriores a essa data dão uma visão controversa e confusa de um período marcado por guerras e revoltas. Nesse tempo, Roma era apenas uma pequena cidade, entre as muitas que formavam a Liga Latina. Considera-se o marco inicial da literatura latina a tradução da Odisséia, feita por Lívio Andronico, por volta de 240 a.C.

O período de República em Roma (509-27 a.C.) funcionava da seguinte forma: no lugar do rei, o conjunto da cidadania elegia anualmente dois cônsules. O descontentamento da plebe para com esse regime originou uma violenta luta, pois apenas os chamados patrícios, isto é, cidadãos abastados, poderiam concorrer à magistratura.

A literatura Latina teve seu ápice durante o chamado período ciceroniano (70-43 a.C.), representado por César, Cícero, Terêncio, Catulo e Lucrécio.

O fortalecimento de Roma, militarmente, se deu após a invasão gaulsesa, ocorrida por volta de 390 a.C., que então deixou Roma destruída. Cientes de sua vulnerabilidade e fraqueza, a cidade procurou se preparar para futuras investidas. A partir daí, veio a marcha expansionista, com suas primeiras conquistas sendo sobre os samnitas (341, 326 e 304 a.C.) da Itália meridional, e sobre Tarento (272 a.C.), um centro cultural grego ao sul da Península Itálica.

A expansão territorial trouxe consigo a expansão da língua de Roma, o Latim. De um simples dialeto (junto ao Umbro e o Osco), o Latim veio a se tornar uma língua de dominação, a língua oficial daquele que foi um dos maiores impérios que a humanidade já conheceu.

Vale lembrar que o Latim não era imposto pelos dominadores. O ensino da língua era incentivado pelos romanos através da construção de escolas, ao estilo romano, nos territórios conquistados. O incentivo também se dava pelo status que possuía aquele que falava a língua do império.

Latim Clássico x Latim Vulgar

Na história do Latim, houve uma divisão entre a forma erudita (clássica / literária), que era falada pelos escritores, nobres e pessoas cuja classe social e educação eram elevadas; e a forma vulgar, usada pelas pessoas mais simples. Esta segunda forma de Latim não era prioritariamente escrita, pois na hora de escrever, as pessoas procuravam fazê-lo de em Latim Clássico.

Hoje, é possível recuperar formas do Latim Vulgar através de gramáticas latinas que apontavam o modo normativo correto de escrever e o incorreto, geralmente popular. Na literatura, personagens incultos eram retratados com seu modo próprio de falar, fazendo com que mais uma fonte do “vulgarismo” seja conhecida.

Saindo da área literária, as diferentes formas escritas deixadas em outros tipos de materiais (metal, madeira etc) também podem nos indicar as diferentes formas de dialetação. E, por fim, empréstimos feitos do latim a línguas não-latinas também são uma fonte de conhecimento de alguns vocábulos do Latim Vulgar.

Características do Latim

- Ausência de acentos (grave, agudo, circunflexo)
- Não há artigos (o, a, um, uma)
- Não há palavras oxítonas
- Há 4 conjugações verbais
- Há 5 grupos de substantivos
- Apresenta 2 classes de adjetivos
- Apresenta 3 gêneros: masculino, feminino e neutro
- Dois números: singular e plural

Substantivos masculinos em Português, Italiano e Espanhol: frutos da 2ª declinação.

Vejamos a tabela de Substantivos da 2ª declinação:



SINGULAR

PLURAL

NOMIN

Us

Er

Ir

Um

I

I

I

A

VOCAT

E

Er

Ir

Um

I

I

I

A

GENIT

I

I

I

I

Orum

Orum

Orum

Orum

DATIVO

O

O

O

O

Is

Is

Is

Is

ABLAT

O

O

O

O

Is

Is

Is

Is

ACUSAT

Um

Um

Um

Um

Os

Os

Os

A


MASC

MASC

MASC

NEUTRO

MASC

MASC

MASC

NEUTRO

Podemos notar que os substantivos masculinos eram, no dativo e no ablativo singulares, terminados em “o”, e no acusativo plural, em “os”. Já o nominativo e vocativo plural eram terminados em “i”. Fazendo uma análise com o Português e Espanhol modernos, temos a maioria das palavras masculinas terminadas em “o”, e seu plural em “os”. Em italiano, o masculino singular é, em sua maioria, terminado em “o” e o plural é terminado em “i”.

O que temos, hoje, nessas línguas, nada mais é do que o resultado da dialetação do latim vulgar, que “facilitou” a regra original da “língua-mãe”, modificando-a de acordo com a necessidade dos distintos grupos de falantes.

- Darini

Bibliografia:

- ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática Latina.
- Cardoso, Zélia de Almeida. A Literatura Latina.