terça-feira, 11 de agosto de 2009

Revolução das Palavras

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- Abaixo as nomenclaturas! - Disse o e.
- Apoiado! - grita o quando.
- Chega da ditadura dos gramáticos! - responde o talvez.

Fazia algum tempo que as palavras haviam se reunido para deflagar uma guerra contra as denominações. Queriam ser apenas palavras e nada mais. No meio da revolta, o fui protesta:

- Vejam meu caso, por exemplo: alguns dizem que sou a primeira pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo do verbo ser; outras, por outro lado, dizem que sou a primeira pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo do verbo ir. E agora, o que sou realmente?

- Isso não é nada. - disse o e. Não sei se sou vogal, se sou uma conjução... alguns dizem que devo trabalhar na Oração Coordenada Sindética Aditiva; outros, que, às vezes, posso ficar na Oração Coordenada Sindética Adversativa. Isso, quando não apareço no meio de uma Oração Subordinada Adverbial Causal ou Final. E a vírgula? A vírgula! Ninguém a quer perto de mim! Não sei quem inventou que não posso ser acompanhado por uma bela e jovem vírgula. Querem me vez sozinho, é isso? Gente... tenho sentimentos, faço terapia há tempos... e... e...

O e se retira, chorando como uma criança faminta. Nisso, o que toma a palavra:

- Não creio que o e tenha mais problemas do que eu... posso aparecer numa oração Subordinada Substantiva Objetiva Direta, Objetiva Indireta, Oração Subordinada Adjetiva... milhares de alunos me odeiam, e sabem por quê? Não sabem quem eu sou! Nem eu sei quem sou! Às vezes, vem o o me fazer companhia; por outras, vem outra preposição ou artigo. Já estou começando a ficar falado na minha vizinhança. É triste isso...

- Pior sou eu! Todos já esqueceram de mim! - grita o cujo - eu sou o genitivo do que, fiquem sabendo! O genitivo!

- Onde estão os quadrigêmeos? - pergunta o para.

- Aqui! Aqui! Aqui! Aqui! - respondem o por que, porque, por quê e porquê.

- Viram só o que fizeram com a gente? Separaram-nos! - disse o por que.
- É muito ruim quando um de nós é apagado para dar lugar a outro! - complementa o porque.
- Nem me diga... às vezes, o caderno fica todo manchado bem na parte em que tentam nos escrever! - protesta o por quê.
- Se fôssemos um só, poderíamos ser bem mais fortes! Vamos ficar unidos! - grita o porquê.

- Só há uma coisa a ser feita! - resolve o quando, líder das palavras - A greve!

- GREVE! - gritam todas as palavras (inclusive a palavra greve, que, naquele momento, sente-se como se não fosse um estrangeirismo).

Daquele dia em diante, não houve mais palavras impressas. Tudo o que era escrito num papel, num computador ou em qualquer outro lugar se apagava em seguida. As gramáticas ficaram vazias: eram apenas páginas em branco. Os jornais não traziam mais nenhuma informação e os noticiários mostravam tímidos e inseguros âncoras tentando falar sobre uma notícia. Em pouco tempo, não houve mais projetos de engenharia, pois os números estavam lá, mas as palavras que indicavam os procedimentos haviam sumido. O mesmo aconteceu com os manuais de instrução, com as bíblias, revistas, livros... tudo havia desaparecido.

A sociedade entrou em polvorosa; os gramáticos e linguistas também. Os advogados, então, nem se fala... contratos e testamentos, agora, estavam em branco. Famílias brigavam entre si e sócios desfaziam seus negócios. Brigas e tumultos eram comuns. Ninguém mais sabia para onde era aquele ônibus. Cansado de gritar o nome do destino final, o motorista apenas passava direto. As declarações de guerra também foram apagadas. Em alguns casos, apenas para zombaria, as letras se misturavam, formando conexões semânticas nada agradáveis àqueles que as liam. As pichações (sim, acredite, aquilo que vemos nas paredes são letras e palavras) também sumiram, para a alegria de seus proprietários. Menos para um, que já havia comprado a tinta para limpar aquela sujeira. Será que a loja aceita devolução?

O tempo passou, e as pessoas desaprenderam a escrever. Isso começou a ser fator de preocupação por parte dos rebeldes:

- Se esquecerem como se escreve, o que será de nós? - interrogou a interrogação.
- Seremos extintos! - exclamou a exclamação.
- Que vida cruel... - concluíram, reticentes, as reticências.

- O jeito é voltar! - resolve o quando - estão todos de acordo?
- Sim! De acordo! - concordam todos.

Entretanto, as letras voltaram com tanta pressa àquelas que deveriam ser suas posições, que muitas palavras ficaram embaralhadas:

"A vdai é coom um vlior: snó mosos os psstarotgonia e o nlafi ad ahóirsit ededpen de nassso çasõe."

- Darini

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