- Que mulher pagaria 20 mil reais em uma roupa que
a faz parecer com uma aeromoça?
A história era bem enclichezada: um investigador da
Polícia Civil, prestes a se aposentar, toma para si um último trabalho: o
assassinato de uma "socialite". O corpo, envenenado, jazia sobre a
enorme cama. Ao lado dele, uma garrafa inacabada do mais caro vinho.
- Que desperdício! - bradou.
Olhava aquela cena com um espírito sinestésico. Ao
mesmo tempo, estava com pena, raiva, tristeza, inveja, alegria, admiração, decepção,
ojeriza e coceira no olho direito, provavelmente causada por aquela maldita
poeira que a estrada de terra levantara.
Achava, porém, que sua carreira como investigador
havia sido uma inútil e desastrosa perda de tempo, pois queria mesmo era ter
sido violinista, carreira que só não seguiu adiante por causa de sua
insistência em faltar às aulas. Ele tinha, de horas não estudadas de violino,
totalizado quinhentas e trinta e oito.
A chuva caía vigorosamente do lado de fora, fazendo
com que ele prolongasse o trabalho aquele quarto. Mais tarde, inventaria uma
desculpa para dar um pulo até a cozinha, pois quem sabe não encontraria algo
bom para comer? "Gente rica deve ter de tudo na geladeira" - pensou -
ao mesmo tempo em que se esquecia de toda aquela comida sem graça servida em
pequenas porções nas festas dos endinheirados.
Após tirar fotos de todos os cantos possíveis
daquele quarto, resolveu ligar a televisão e jogar um pouco de videogame. Era
um Playstation 4 comprado no dia do lançamento brasileiro, o que prova que
aquela gente era mesmo rica. Uma jogatina assim, num dia chuvoso, o levava de
volta à juventude, quando brincava com seu TK-90X após a faculdade. Acabou
cochilando.
Horas depois, já longe da cena do crime, resolveu
divagar e dar umas voltas a pé por aquele bairro tão nobre. Entusiasmava-se com
as vitrines das lojas, torcendo para que seus colegas o presenteassem, ao se
aposentar, com uma roupa ou relógio caro.
Mal sabia ele que, com aquele salário que ganhavam,
presenteá-lo-iam apenas com uma plaquinha banhada a prata e uma gravata
comprada em alguma loja barata no centro da cidade.
Aquele lugar até o tinha feito esquecer quem seriam
os possíveis candidatos a assassino. Na verdade, ele não tinha a mínima ideia
de como começar; só tinha entrado nesse caso por um capricho pessoal. Sua
mulher já dizia que ele era o homem mais teimoso da Terra, e que deveria
segurá-la até o fim de seus dias, pois não encontraria outra santa com toda
aquela paciência.
Por ele, então, quando menos esperava, passa uma
mulher esnobe, com apetrechos que pareciam ser caríssimos e um pequeno cachorro
de raça a tira-colo. Só a roupa do cachorro era mais cara do que aquele terno
surrado que ele vestia. Encarou a mulher com um pouco de vergonha, e continuou
a andar. Um milésimo de segundo após passar por ela, grita:
- Finalmente! Descobri! Descobri!
Um largo sorriso tomou conta de seu rosto. Chegou
até a dar um pulo de alegria. Continuou:
- Descobri que mulher pagaria 20 mil reais em uma
roupa que a faz parecer com uma aeromoça.
- Darini
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