sexta-feira, 24 de julho de 2015

A Roupa

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- Que mulher pagaria 20 mil reais em uma roupa que a faz parecer com uma aeromoça?

A história era bem enclichezada: um investigador da Polícia Civil, prestes a se aposentar, toma para si um último trabalho: o assassinato de uma "socialite". O corpo, envenenado, jazia sobre a enorme cama. Ao lado dele, uma garrafa inacabada do mais caro vinho.

- Que desperdício! - bradou.

Olhava aquela cena com um espírito sinestésico. Ao mesmo tempo, estava com pena, raiva, tristeza, inveja, alegria, admiração, decepção, ojeriza e coceira no olho direito, provavelmente causada por aquela maldita poeira que a estrada de terra levantara.

Achava, porém, que sua carreira como investigador havia sido uma inútil e desastrosa perda de tempo, pois queria mesmo era ter sido violinista, carreira que só não seguiu adiante por causa de sua insistência em faltar às aulas. Ele tinha, de horas não estudadas de violino, totalizado quinhentas e trinta e oito.

A chuva caía vigorosamente do lado de fora, fazendo com que ele prolongasse o trabalho aquele quarto. Mais tarde, inventaria uma desculpa para dar um pulo até a cozinha, pois quem sabe não encontraria algo bom para comer? "Gente rica deve ter de tudo na geladeira" - pensou - ao mesmo tempo em que se esquecia de toda aquela comida sem graça servida em pequenas porções nas festas dos endinheirados.

Após tirar fotos de todos os cantos possíveis daquele quarto, resolveu ligar a televisão e jogar um pouco de videogame. Era um Playstation 4 comprado no dia do lançamento brasileiro, o que prova que aquela gente era mesmo rica. Uma jogatina assim, num dia chuvoso, o levava de volta à juventude, quando brincava com seu TK-90X após a faculdade. Acabou cochilando.

Horas depois, já longe da cena do crime, resolveu divagar e dar umas voltas a pé por aquele bairro tão nobre. Entusiasmava-se com as vitrines das lojas, torcendo para que seus colegas o presenteassem, ao se aposentar, com uma roupa ou relógio caro.
Mal sabia ele que, com aquele salário que ganhavam, presenteá-lo-iam apenas com uma plaquinha banhada a prata e uma gravata comprada em alguma loja barata no centro da cidade.

Aquele lugar até o tinha feito esquecer quem seriam os possíveis candidatos a assassino. Na verdade, ele não tinha a mínima ideia de como começar; só tinha entrado nesse caso por um capricho pessoal. Sua mulher já dizia que ele era o homem mais teimoso da Terra, e que deveria segurá-la até o fim de seus dias, pois não encontraria outra santa com toda aquela paciência.

Por ele, então, quando menos esperava, passa uma mulher esnobe, com apetrechos que pareciam ser caríssimos e um pequeno cachorro de raça a tira-colo. Só a roupa do cachorro era mais cara do que aquele terno surrado que ele vestia. Encarou a mulher com um pouco de vergonha, e continuou a andar. Um milésimo de segundo após passar por ela, grita:

- Finalmente! Descobri! Descobri!

Um largo sorriso tomou conta de seu rosto. Chegou até a dar um pulo de alegria. Continuou:

- Descobri que mulher pagaria 20 mil reais em uma roupa que a faz parecer com uma aeromoça.

- Darini

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