terça-feira, 28 de julho de 2009

As Raízes Linguísticas da Morte

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Única certeza, mas, mesmo assim, um dos maiores mistérios humanos, a morte mostra, linguisticamente, algumas variações nas Raízes cujos significados a ela nos remetem. Segundo Saussure, o pai da Linguística moderna, (2006, p. 216), "[...]chama-se Raiz ao elemento irredutível e comum a todas as palavras da mesma família". Ou seja, é o gene da palavra.

Aplicando isso ao assunto abordado, a Raiz mais usada e conhecida pelos falantes das Línguas Românicas é a Latina {mort}, oriunda do sânscrito {mor}, cujo significado é “falecimento, perecer, destruir”. Todavia, essa Raiz não é exclusividade das Línguas Neolatinas. Ela está presente no inglês mortal {mort}; no croata e esloveno smrtnik {smrt}; no letão mirstīgo {mirst}; no maltês mortali {mort} e no polonês śmiertelne {śmierte}. Obviamente, sendo essas Línguas “descendentes” do ramo Indo-Europeu e sendo a morte um fenômeno que assombra a humanidade desde sua origem, não é surpresa que haja uma Raiz universitária para ele.

As Raízes das Línguas Germânicas, por sua vez, parecem estar mais ligadas ao Grego: {thanat}, oriundas do Gótico dauthus, cujo significado é morte. Essa Raiz se encontra presente no inglês death; no alemão Tod; no dinamarquês e norueguês død; no holandês dood e no sueco död. Nas transformações Linguísticas, é comum a transformação do t em d (t > d). Não se pode dizer que {thanat} tenha originado dauthus, mas é notável que há, sim, uma Raiz ancestral comum a essas duas formas.

Outra forma grega é {necr} (de necrose e suas variantes). Essa Raiz parece ser mais comum tanto às Línguas Neolatinas como às Línguas Germânicas. Está presente no alemão Nekrose; no catalão necrosi; no estoniano nekroos; no francês nécrose; no sueco nekros etc. A influência dessa Raiz atravessou o mundo Indo-Europeu, e foi adotada em idiomas não oriundos desse ramo, como o finlandês nekroosi e o húngaro necrosis.

Mais uma Raiz latina com significado “morte” é {let}, presente em palavras como letal e letalidade. Vale notar que, dentre as Línguas Germânicas, sua forma está presente apenas no inglês lethal. As demais utilizam derivações como na forma do Gótico dauthus. Isso, claro, aconteceu por conta da “transferência” de vocabulário às Ilhas Britânicas, quando da invasão normanda em 1066.

Outra, não necessariamente significando morte, mas, sim, “que causa morte”, é a Raiz Latina {torp} (de torpe, entorpecente, torpedo e suas variantes) e a também Latina {cad}, que quer dizer “cair, perecer”.

A Raiz Indo-Europeia *{ster} "deu origem" (vem sempre entre aspas, quando fizer esse tipo de afirmação, pois, certamente, houve um longo caminho a ser percorrido entre a Raiz e sua derivada) ao alemão sterben, que significa morte literalmente. Também originou a forma latina strangulare que, posteriormente, agraciou o português com seu estrangular.

Se existe o morrer, existe o matar. O Indo-Europeu *{mer} foi a Raiz das formas maúrþrjan do gótico, morden do alemão e murder do inglês. Foi ela que originou o mors latino e suas derivações. Todavia, em Português, "matar" é mais complexo: houve a aglutinação da Raiz latina {magn}, originada pela {meg} grega (a mesma da palavra "mega" = grande), mas, nesse caso, significando "vida", com a Raiz {act}, significando "fazer" ou "levar". Algo como "levar a vida" (sabe-se lá para onde).

É o suicida quem leva a própria vida. Escondida nessa palavra, encontra-se a Raiz latina {cad}, também presente em cadáver e cair, que, por sinal, é o significado desse Morfema. O suicida é, pois, "aquele que faz cair a si mesmo", da mesma forma que o homicida "faz cair o homem" e o inseticida "faz cair o inseto".

Poético é o significado de óbito: {ob} significa espiritual e {it} significa caminho. É o caminho que o espírito pega para seu repouso eterno.

Uma vez mortos, precisamos de um lugar para ficar. Mais especificamente, para deitar. É esse o significado da Raiz latina {jac}, de jazer (do famoso "aqui jaz...") e o jazigo propriamente dito.

- Darini

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Tem só aqui neste andar?

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Passeava eu pelo shopping, quando um homem, ao validar o cartão do estacionamento, perguntou exatamente isso à atendente:

- Tem só aqui neste andar?

- Como assim? - a mulher respondeu.

- Digo... tem outro lugar para pagar?

- Sim, bláblábláblá...

Se fosse um texto escrito, no lugar da fala, essa mesma ambiguidade poderia ter sido esclarecida com uma vírgula. Ao perguntar "Tem só aqui neste andar?", o homem pode dar a entender que "aqui" e "neste andar" são a mesma coisa. A vírgula entraria para separar dois Sintagmas diferentes:

"Tem só aqui neste andar?" significa "em todos os andares, só existe este local para o pagamento do cartão". O "aqui neste andar" é um só Sintagma, um Adjunto Adverbial de Lugar único. No fundo, "neste andar" é aposto de "aqui".

"Tem só aqui, neste andar?" significa "neste andar, tem só aqui para pagar o cartão, mas pode haver outros lugares em outros andares". O "aqui" e "neste andar" são dois Sintagmas distintos (por isso, há o uso da vírgula para separá-los).

Entretanto, alguns podem rebater dizendo: "não é o contrário? A vírgula não serve para explicar ou funcionar como aposto, como pode acontecer numa Oração Subordinada Adjetiva?" - Sim, respondo. Mas veja como, analisando a segunda oração, é possível deslocar o Sintagma, justamente por causa do uso da vírgula:

"Neste andar, tem só aqui?"
"Tem, neste andar, só aqui?"
"Tem só, neste andar, aqui?" - construção mais estranha, mas correta.

O "passeio" que o Sintagma "neste andar" pode fazer pela oração, quando do uso da vírgula, indica sua clara independência em relação ao "aqui" (sendo a recíproca verdadeira), o que acaba por reforçar a análise inicial.

- Darini

domingo, 19 de julho de 2009

The Tudors


The Tudors é uma série histórica baseada na vida do rei Henrique VIII da Inglaterra (28 de Junho de 149128 de Janeiro de 1547), membro dessa dinastia. Produzida por Irlanda e Canadá, mostra os mandos e desmandos do monarca (essa foto é uma ótima metáfora para explicitá-los) e o quão perigoso pode ser o poder, se colocado nas mãos de uma pessoa apenas.

Henrique VIII foi o pai de Elisabeth I (também chamada Isabel) - aquela que, provavelmente, foi a maior monarca britânica. Foi ele que rompeu com a igreja católica, pois esta negava-se a lhe conceder um segundo matrimônio (parte do enredo mostra as tentativas de seu primeiro-ministro e conselheiro, o cardeal Wolsey, em obter autorização papal para o divórcio). Não obtendo sucesso, ele funda a igreja anglicana (Church of England), da qual torna-se líder supremo.

Para saber mais sobre a série: http://pt.wikipedia.org/wiki/The_Tudors

Sobre Henrique VIII: http://pt.wikipedia.org/wiki/Henrique_VIII

- Darini

sábado, 18 de julho de 2009

Religião é "religar"?

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Clássico: basta alguém começar a filosofar sobre religião, e a máxima "religião significa religar" aparece. Será? Façamos uma Análise Morfológica da palavra:

Prefixo: {re}, que significa "muito"

Raiz: {lig} < {leg} = reunião - mesma raiz de "legião", "legionário"

Sufixo: {ão} = significa "ação"

Interessante notar que {lig} também pode significar "ler". Nada absurdo, se considerarmos que, em muitos rituais religiosos, há sempre algum tipo de leitura - que, necessariamente, não precisa ser de um texto (metaforicamente: "leitura" da humanidade, leitura da essência humana etc).

A própria Revista Língua, em sua edição especial "Religião e Linguagem" (muito boa por sinal; vale a pena uma lida) diz:

A própria palavra "religião" é ela mesma um desafio de linguagem. Ela viria de religio, que os romanos antigos consideravam ser a raiz de relegere (retomar com cuidado, avaliar com calma) [...] e nos primeiros séculos depois de Cristo suspeitavam derivar de religare (unir, religar).


É muito provável que o significado popular de religar tenha nascido com o cristianismo, pois, segundo essa crença, foi Cristo que teria "religado" a humanidade com o criador.

Fugindo do campo da Análise Linguística, apresento outro significado, tomado do "The Devil's Dictionary" ("Dicionário do Demônio", em tradução livre), de Ambrose Bierce:

RELIGION, n. A daughter of Hope and Fear, explaining to Ignorance the nature of the Unknowable.

(Religião: uma filha da esperança e do medo, que explica à ignorância a natureza do desconhecido).

- Darini

segunda-feira, 13 de julho de 2009

A Morte e a Filosofia

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Diz Nietzsche:


"Abstração feita das exigências que a religião impõe, pode-se muito bem perguntar: por que haveria mais glória para um homem que envelheceu, que sente o declínio de suas forças, ficar esperando seu lento esgotamento e sua dissolução do que ele próprio fixar, em plena consciência, um fim? O suicídio é, neste caso, um ato de todo próximo e de todo natural que, enquanto triunfo da razão, deveria, equitativamente, suscitar respeito: e até o suscitou naqueles tempos em que os guias da filosofia grega e os mais corajosos patriotas romanos costumavam morrer por suicídio.

Pelo contrário, é muito menos respeitável a ânsia de se prolongar de dia para dia por meio da inquieta consulta dos médicos e o mais penoso regime de vida, sem forçar para chegar mais perto do próprio termo da vida.

As religiões são ricas em expedientes contra a necessidade do suicídio: é um meio para se insinuar junto daqueles que estão apaixonados pela vida."


Bem dito. Os guerreiros de diferentes culturas se suicidavam por causa "da honra" (como os samurais) ou se entregavam espontâneamente à morte (como amplamente "documentado" pelas literaturas). A entrega espontânea à morte não deixa de ser, de certa forma, um modo distinto de suicício, mas com menos culpa do que aquele em que o executor e o condenado são as mesmas pessoas. Perdi a batalha com meu inimigo? Sem problemas, entrego-me à morte pelas mãos deles. Meu reino foi invadido, saqueado e destruído por forças invasoras? Da mesma forma, deixo deliberadamente que estes invasores façam minha sentença.


O ato de se entregar à morte é mais um gesto de coragem, ao mesmo tempo que traduz o medo da incerteza das consequências vindouras, caso esse ato não tivesse sido tomado. Vale mais, na forma do pensamento heroico, morrer nobremente a ter que passar o resto dos dias humilhado pelas forças dominantes.


O mesmo pode-se dizer do "morrer por uma causa", que não deixa de ser um ato de suicídio. O ato de entregar a vida a essa causa a torna mais digna, mas séria, mesmo que o suicida, obviamente, não esteja mais lá para presenciar se obteve sucesso. Todavia, isso não importa, pois a paixão e a cegueira o dominam, e ele entrega sua própria vida com prazer e orgulho.


- Darini


sexta-feira, 3 de julho de 2009

A estapafúrdia gramática da Microsoft

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O corretor de texto do Word é uma ferramenta que tange a incompetência do conhecimento da Língua Portuguesa e o ridículo. Uma vasta gama dos "erros" por ele indicados e suas supostas correções são de total ignorância.

Vamos, então, aos "erros" apontados pelo programa. Para esta análise, tomei emprestado o "manual DSS", da prefeitura de São Paulo, disponível no site: www.prefeitura.sp.gov.br/manualdss .


1- MÓDULO MEDICINA E SEGURANÇA NO TRABALHO (toda a expressão está sublinhada). Para correção, ele dá as seguintes opções:

- Módula Medicina e Segurança no Trabalho;

- Módulos Medicina e Segurança no Trabalho;

Ou seja, no primeiro caso, o programa entende "Módulo" como um adjetivo, que, seguido de um substantivo feminino (Medicina), deve ser declinado como tal. Na segunda opção, a coisa é menos grave, mas ele entende que se tratam de dois módulos: um de medicina e outro de segurança, tendo que se colocar no plural.

Outro caso muito comum é quando o corretor simplesmente parece não saber o que está errado. Ele grifa uma determinada expressão, e, quando colocamos o cursor para que se verifiquem as opções, lê-se "(Sem Sugestões)". Um exemplo:

2- “É de responsabilidade da chefia, no prazo máximo de 72 (setenta e duas) horas, a emissão da Comunicação de Acidente do Trabalho”. - Neste caso, a sentença "72 (setenta e duas) horas, a emissão" vem sublinhada, mas não conta com nenhuma ajuda do corretor para corrigi-la.

Mais um problema no entendimento morfológico das palavras vem em:

3- “Servidor obteve nexo causal e alta médica do afastamento, mas necessita novamente de licença por causa da mesma doença. Como agendar a perícia?”

Aqui, é grifada a parte "nexo causal e alta médica do afastamento" e, como correção, ele nos apresenta o inimaginável:

"Nexo causal e alto médica do afastamento".

Nesse caso, o coitado ficou desnorteado: provavelmente, não consta a palavra "alta" em seu dicionário, e o mais óbvio a se fazer foi associá-la a "causal", provavelmente por causa da conjunção "e" na sentença.

Concordância também não é o forte do programa. Vejamos:

4- Em "Os pedidos devem sempre ser acrescidos...", é indicado que se deveria ter escrito "Os pedidos devem sempre ser acrescido...", ou seja, parece que o programa "pensou" ser esta uma sentença como "Eles haviam cantado"; em que há um particípio precedido de um verbo auxiliar, o que não é o caso ("acrescidos", nesse caso, é puro adjetivo, e deve concordar mesmo com "pedidos").

O engano também ocorre, quando há a tentativa de reconhecer a função morfológica da palavra, como em:

5- "(o sevidor)... Anexa relatório médico atual, cópia simples do RG, CPF e último holerite". A correção indicada pelo programa é "Anexo relatório...", o que mostra mais um erro na idenficação da função, pois trata-se do verbo conjugado na 3ª pessoa do singular, e não um adjetivo, como diz ser o programa.

Esses foram apenas alguns casos de uma infinidade que podemos elencar. Um outro bastante clássico é quando o corretor confunde uma Oração Adjetiva com o predicado, como no caso:

6- "João, que gosta de caramelo, comeu goiabas". Nesse caso, aparece a máxima: "não se separa, com vírgula, o sujeito do predicado". Não programaram o corretor para identificar apostos ou orações adjetivas.

Em suma, parece que o pessoal da Microsoft é muito bom nas linguagens de computação, mas peca demais na Portuguesa. O que mais assusta é a quantidade de pessoas que vejo, após a digitação de um memorando ou documento qualquer, verificar a gramática com esse falho corretor. Ou seja, tornam seus textos "mais errados" após a correção.

Programadores da MS: qualquer coisa, liguem para mim!

- Darini