terça-feira, 17 de março de 2009

O Apanhador no Campo de Centeio - livro de J. D. Salinger

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Único. Diferente. Provocativo. Forte.

São esses, dentre muitos outros, aqueles adjetivos com que podemos caracterizar a obra “O Apanhador no Campo de Centeio”, em que o escritor norte-americano J.D. Salinger nos conta a peregrinação de Holden Caulfield, um adolescente burguês dos anos 40/50 que é expulso do notório colégio Pencey (o último dentre outros de que já havia saído) e tenta esconder esse fato de seus pais, adiando sua chegada em casa. Na verdade, esse “adiamento” de seu retorno ao lar é que causa toda a peripécia da história e os conflitos vividos por Holden nesse difícil e conturbado período da vida humana.

Durante toda a trama, temos o mundo (ou, mais precisamente, a cidade de Nova Iorque) mostrado de acordo com o ponto de vista de um adolescente. Seus amores, seus ódios, seus conflitos psicológicos... tudo foi escrito de tal maneira que aquele mais desavisado, ao ler a trama, pode mesmo pensar que foi escrito por um jovem da idade de Holden.

A linguagem (dando destaque especial para a tradução1) é simples, as gírias e palavreado sem preocupação normativa, às vezes repetitivos, nos colocam mais próximos do personagem principal, que é o narrador de suas aventuras. Os períodos são curtos e as conjuções parecem ter sido esquecidas em muitos momentos da história, remetendo-nos ao estilo de texto da época surrealista. Provavelmente, a intenção do autor (mantida, felizmente, pelos tradutores) foi de dar ao leitor a sensação de “assistir” à mente do protagonista enquanto as inúmeras ações vão acontecendo. Assim como os pensamentos nos surgem de repente, às vezes sem uma ligação “suave” de um com o outro, da mesma forma é o estilo em que a obra nos é colocada. Outra análise em relação a essa peculiaridade pode ser a de que o escritor nos quisesse mostrar a rapidez como as coisas aconteciam na vida, no falar e na mente do jovem: fato após fato, decisão após decisão.

Os tipos encontrados por Holden no decorrer da história são aqueles estereótipos que encontramos em todos os tempos e em qualquer lugar do mundo: o colega de quarto que pensa ser o “Don Juan” conquistador, o pentelho que mexe nas coisas dos outros sem permissão, o velho professor que ainda se preocupa em dar conselhos aos mais jovens e ficam abismados com a (aparente?) indiferença destes, o motorista de táxi grosseiro, a simpática freira, a prostituta, os cabarés, seus artistas e freqüentadores, as amigas / namoradas com quem vive as dúvidas e conflitos do amor, a família... enfim, em sua caminhada pela grande cidade, o jovem se depara com tipos encontrados por nós mesmos no dia-a-dia, e os comentários que faz destes, unidos aos pensamentos que ele tem, é aquilo que todos nós, de uma forma mais “agressiva” ou não, diríamos ou pensaríamos, se passássemos pelas mesmas situações.

“O Apanhador no Campo de Centeio” causa, naquele que o lê, uma mistura interessante de sensações: tristeza, pena, raiva, compaixão, um pouco de humor e crítica. Crítica a alguns valores enraizados na cultura ocidental como um todo, como a educação: Holden não conseguia se adaptar ao tradicionalismo dos colégios pelos quais passava. Curiosamente, havia passado apenas em inglês, disciplina que, em suas literaturas, requer uma visão maior do mundo, e não apenas a análise literal do escrito pelo escrito.

O jovem protagonista tem uma grande estima e amor pela família, sobretudo por seus irmãos: Phoebe (a mais nova), D.B., o escritor que se “prostituiu” ao aceitar trabalhar em Hollywood e Allie, já falecido, com quem parecia ter uma ligação transcedental. O modo com que esse irmão é citado nos comove, parecendo ser, em certas ocasiões, um “amparo” para o protagonista. Uma das partes mais bonitas e tocantes do livro é aquela em que Holden tem medo de atravessar a rua, pois imaginava-se caindo antes de chegar ao outro lado. Então, dizia ao irmão: “Allie, não me deixa desaparecer” e, ao cumprir sua meta, agradecia-o.

Outro trecho que merece menção é aquele em que o título do livro é mencionado pela 2ª vez. Erroneamente, Holden canta uma música dizendo “Se alguém agarra alguém atravessando o campo de centeio...” nesse momento, é corrigido por Phoebe, que diz que o certo seria “Se alguém encontra alguém atravessando o campo de centeio...” O fato é que o jovem imagina-se num enorme campo de centeio, com milhares de crianças correndo, e sua missão seria a de não deixá-los cair no abismo. Ele seria “O Apanhador no Campo de Centeio”, aquilo que realmente queria fazer na vida. Podemos ver essa “cena” como uma metáfora para o que ele buscava: a liberdade. O que parecia um adolescente rebelde “sem causa”, era na verdade alguém que queria se libertar de padrões sociais e regras.

Com um final inesperado (que tem uma ligação interessante com o início da trama), “O Apanhador no Campo de Centeio” é uma obra que merece ser lida, relida e discutida, principalmente pelos elementos psicológicos explorados por Salinger. Contemporânea, ela nos faz pensar em como cultivar nosso próprio “campo de centeio”.


1- A edição lida foi a da Editora do Autor - 13ª edição.

- Darini

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