No
final da rua, morava um velho a quem todos chamavam de tio Francisco.
Aparentemente, morava sozinho, já que nunca ninguém via outras pessoas entrando
ou saindo daquela casa. Apesar da solidão e da idade, ele era um senhor muito
bem-humorado e de bem com a vida, que gostava de todos. O que chamava a
atenção, principalmente das crianças, era o modo como ele brincava com as
palavras. Às vezes, dizia:
-
Vocês combinaram de brincar na rua agora? Então podem sembinar, porque está
ficando tarde; vou gritar a mãe de vocês daqui a pouco!
Quem
já o conhecia sabia todas as nuances do “francisquês”; os novos moradores,
porém, acabavam meio perdidos com esse estranho vocabulário, mas o tempo os
fazia acostumar.
- Eu
era professor e ensinava um monte de palavras novas a crianças como vocês! Hoje
em dia, esses professores novos têm preguiça de ensinar! – dizia, sempre com um
pouco de arrogância e orgulho na fala.
Alguns
vizinhos emburrados, por outro lado, apenas achavam que ele era um velho
estudado que gostava de aparecer.
-
Está cansado? Então vá descansar! Correu muito? Então fique descorrido! Não
dizem por aí que, se conselho fosse bom, vendia-se? Por isso que eu só dou
sencelho!
-
Brigou com o namorado? Então agora ele é seu nenraivado, até voltar a ser
namorado novamente. Vai voltar, né? – perguntava, sem muita discrição, às
moçoilas desamparadas.
E
não parava por aí. Ele tinha resposta pra tudo. Se lhe perguntavam:
- Qual
a sua Oração Subordinada favorita?
Ele
respondia:
- Com
certeza é a Objetiva Direta. É a melhor de todas, sem sombra de dúvidas!
Ou
então:
-
Qual o seu número favorito?
Ele
mandava:
- É
o 659878408489498,36 e meio. Sempre jogo com ele no bicho e nunca falha!
Às
vezes, beirava a grosseria. Uma vez, perguntaram:
- Pode
me ensinar a fazer Análise Sintática? Chegou as provas e não sei nada!
No
que gentilmente respondeu:
- “Chegou”
as provas? É, vai ser difícil mesmo...
Ou
então:
-
Ei, tio Chiquim, qual seu passatempo preferido?
-
Pegar metrô às seis da tarde. Toda aquela gente fina num lugar só me leva ao
Nirvana! – respondia.
Depois
do almoço, Francisco ia para o pequeno quarto-biblioteca que tinha e casa, onde
se esbaldava em leituras e mais leituras, hábito que cultivava desde a época de
adolescência. “Ainda bem que aposentei, assim tenho mais tempo pra vocês, meus
amigos arcadistas!” – falava consigo mesmo (ou com os arcadistas). Depois,
tomava uma xícara de café e esperava o cair da preguiçosa noite.
Um
dia, porém, tio Francisco morreu. Sozinho, em casa. Nem foi muito difícil para
que sentissem a falta dele, já que era a sensação daquela vizinhança. Chegando
a céu, deparou-se, logo de cara, com São Pedro. Sem pestanejar, disse-lhe:
- Darini
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