sábado, 1 de agosto de 2015

Tio Francisco

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No final da rua, morava um velho a quem todos chamavam de tio Francisco. Aparentemente, morava sozinho, já que nunca ninguém via outras pessoas entrando ou saindo daquela casa. Apesar da solidão e da idade, ele era um senhor muito bem-humorado e de bem com a vida, que gostava de todos. O que chamava a atenção, principalmente das crianças, era o modo como ele brincava com as palavras. Às vezes, dizia:

- Vocês combinaram de brincar na rua agora? Então podem sembinar, porque está ficando tarde; vou gritar a mãe de vocês daqui a pouco!

Quem já o conhecia sabia todas as nuances do “francisquês”; os novos moradores, porém, acabavam meio perdidos com esse estranho vocabulário, mas o tempo os fazia acostumar.

- Eu era professor e ensinava um monte de palavras novas a crianças como vocês! Hoje em dia, esses professores novos têm preguiça de ensinar! – dizia, sempre com um pouco de arrogância e orgulho na fala.

Alguns vizinhos emburrados, por outro lado, apenas achavam que ele era um velho estudado que gostava de aparecer.

- Está cansado? Então vá descansar! Correu muito? Então fique descorrido! Não dizem por aí que, se conselho fosse bom, vendia-se? Por isso que eu só dou sencelho!

- Brigou com o namorado? Então agora ele é seu nenraivado, até voltar a ser namorado novamente. Vai voltar, né? – perguntava, sem muita discrição, às moçoilas desamparadas.

E não parava por aí. Ele tinha resposta pra tudo. Se lhe perguntavam:

- Qual a sua Oração Subordinada favorita?

Ele respondia:

- Com certeza é a Objetiva Direta. É a melhor de todas, sem sombra de dúvidas!

Ou então:

- Qual o seu número favorito?

Ele mandava:

- É o 659878408489498,36 e meio. Sempre jogo com ele no bicho e nunca falha!

Às vezes, beirava a grosseria. Uma vez, perguntaram:

- Pode me ensinar a fazer Análise Sintática? Chegou as provas e não sei nada!

No que gentilmente respondeu:

- “Chegou” as provas? É, vai ser difícil mesmo...

Ou então:

- Ei, tio Chiquim, qual seu passatempo preferido?

- Pegar metrô às seis da tarde. Toda aquela gente fina num lugar só me leva ao Nirvana! – respondia.

Depois do almoço, Francisco ia para o pequeno quarto-biblioteca que tinha e casa, onde se esbaldava em leituras e mais leituras, hábito que cultivava desde a época de adolescência. “Ainda bem que aposentei, assim tenho mais tempo pra vocês, meus amigos arcadistas!” – falava consigo mesmo (ou com os arcadistas). Depois, tomava uma xícara de café e esperava o cair da preguiçosa noite.

Um dia, porém, tio Francisco morreu. Sozinho, em casa. Nem foi muito difícil para que sentissem a falta dele, já que era a sensação daquela vizinhança. Chegando a céu, deparou-se, logo de cara, com São Pedro. Sem pestanejar, disse-lhe:

- Fala, Pedrão! Cheguei cedo, porque o trânsito estava sengestionado!

- Darini

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