O
breu do quarto tornava ainda mais aterrorizante o barulho dos trovões
anunciadores da chuva que, em breve, cairia do lado de fora. Nas paredes, fotos
de um passado saudoso, tempos de sonho e esperança ainda vivos em sua memória.
A saudade judiava e, ao mesmo tempo, rejuvenescia.
A televisão estava desligada há tempos. Em cima da mesa, uma xícara de café que
já se tornara frio e, ao lado, o porta-retratos mostrava o falecido amor, a
eterna companheira do então jovem de 17 anos.
A luz estava apagada. O não-ver as coisas lhe trazia um pouco de conforto, de
aconchego. Poderia imaginar tudo como bem lhe conviesse, de um modo perfeito,
que, conforme pensava, era como deveria ser. Imaginava-a do seu lado, pegando
na sua mão e olhando no fundo dos seus olhos. Não falava, pois não precisava,
não era necessário. Os olhares e o tato diziam tudo. Sentiam tudo. Pensativo,
voltou à sua juventude... e sonhou...
Sonhou que estava em uma cidadezinha no interior da Europa. No alto da mais
bela colina, ele podia desfrutar da maravilhosa visão que lhe dava o vilarejo,
com pessoas passeando e trabalhando tranquilamente, as crianças e seus animais
correndo e brincando de um lado para o outro. A floresta, que parecia levar ao
infinito quem nela entrasse e, do outro lado, enormes montanhas com alguns
pouquíssimos chalés nas trilhas para os cumes. A neve em seu topo era um
espetáculo à parte, fazendo com que parecessem uma pintura à óleo. Aquela
beleza fascinava o jovem: tudo aquilo mais parecia o tempo medieval, como havia
lido nos livros de história. As pessoas tinham roupas e um modo de vida bem
simples que, de longe, parecia bem mais gostoso do que aquela correria da
agitada e moderna cidade em que passou os últimos anos. Podia-se ouvir o som
verdadeiro da natureza, dos animais e até o das pessoas conversando num tom
suave e ameno.
Piscou os olhos, e voltou para sua escura e vazia sala. Do lado de fora, ouvia
o ladrar dos cães reclamando do mau tempo. Da fome, talvez. Fechou os olhos
novamente, e viu uma grande festa num enorme salão. Lá, estavam todos os seus
amigos do tempo da louca juventude. No meio do salão, havia um grande lustre,
como aqueles que encontramos nas casas de gente abastada. Várias mesas tinham,
à disposição dos convidados, os mais diferentes pratos e bebidas. Comidas
leves, pesadas, frias, quentes... tudo a um passo de distância de quem as
quisesse saborear. Nas paredes, belos quadros de grandes artistas transformavam
aquele local num sarau das artes plásticas. Adorava aquilo. As molduras das
janelas eram detalhadas, obras de arte para anunciar outra obra: o amplo jardim
que descansava sob as estrelas no lado de fora.
A música começou. Era uma valsa. Desesperado, corre por todo o salão em busca
de seu par, sua grande amada. Estava sentada, parecendo como se à sua espera.
Vestia um longo vestido rosa com detalhes em branco. O cabelo estava impecável,
montado com uma bela tiara dourada. Estava imponente.
Ele se aproximou e chamou-a para dançar. Ela atendeu seu chamado prontamente, e
bailaram por horas a fio. Olhos nos olhos, não conseguiam enxergar mais ninguém
em seu caminho... apenas conseguiam escutar aquela música, que mais parecia
vozes angelicais entoando seu cântico em homenagem ao amor daquelas duas
criaturas. Estavam no céu, no paraíso. Aquilo era a verdadeira felicidade.
Piscou os olhos, e voltou para sua escura e vazia sala. Do lado de fora, a
chuva parecia ter diminuído, mas as negras nuvens não haviam ainda se
dispersado. Estica o braço, toma um gole do já frio café. Não se importa com o
sabor, nada mais o incomodava.
Como eram bons os tempos daqueles 17 anos: a vida, as coisas, a cidade, sua
família, as rotinas de adolescente... a descoberta do amor e de tudo a ele
relacionado. Queria voltar àqueles tempos, daria tudo para que isso fosse
possível, mas sabia que não era. O tempo passara, o velho senhor arcou com suas
responsabilidades, fossem elas para o bem, fossem elas para o mal. Não se dá
valor às coisas, quando as vivemos. Sempre esperamos o futuro e damos atenção
ao passado para que, em vã esperança, tentemos modificá-lo ou explicá-lo. Para
quê? Para nada.
Fechou os olhos, e viu-se num extenso campo. Lá, andava tranquilamente de mãos
dadas com sua namorada, seu amor. A grama era verde, as árvores estavam cheias
de frutas doces e saborosas. Subiu num pé de goiaba, e pegou uma para que
repartissem. Ao longe, o Sol despontava atrás das montanhas. Como era belo aquele
lugar; provavelmente, era o campo mais verde, mais lindo, mais apaixonante que
vira em toda sua vida. Com sua amada, sentia-se parte dele.
Puxou-a pelos braços, fazendo-a correr sem rumo. Às vezes, pegava-a no colo e
girava-a, fazendo-os ir ao chão, seguindo altas e confortantes gargalhadas, que
só eram interrompidas para que pudessem ouvir o som dos pássaros que os
honravam com suas primeiras canções do dia.
Eles se olham apaixonadamente e beijam-se como se no primeiro encontro
estivessem. Sentiam-se totalmente completados um pelo outro; não havia, na face
da Terra, outras duas pessoas cujo amor fosse tão claro, tão real, tão mítico
como o deles. O tamanho daquele amor era proporcional à intensidade da
demonstração de carinhos e afetos que o casal fazia questão de oferecer um para
o outro. Simplesmente, amavam-se.
- Darini
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