segunda-feira, 27 de julho de 2015

A Fuga

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Ele sabia que tinha de fugir. Por isso, corria desesperadamente pela relva, sem se preocupar com qual caminho seguir. Todos eram válidos; o importante era que saísse dali.

Todos os animais acompanhavam-no com o olhar, como se interessados no porquê de tamanha pressa. E ele corria.

Corria de tudo, de todos, de si mesmo. Corria dos problemas, das feras selvagens, das manadas e matilhas raivosas famintas por sua carne. Corria, porque seu instinto mandava. Corria, porque era levado pelo primitivismo que tomava conta de sua alma e do ambiente.

A cada dúzia de passos, uma pequena luta e um novo cansaço. Sentia-se pressionado, sufocado, angustiado. Era como se estivesse no corredor do pós-morte.

De vez em quando, sons horríveis tomavam conta de sua mente. Era como se a essência do sadismo o torturasse. Sentia tamanha crueldade martelando seu coração.

Preferiria estar em outro lugar, em outra situação. Mas sabia que tinha de correr. Sabia (ou achava) que sua vida dependia disso. Vivia como num teatro, numa eterna encenação das coisas por que passava e dos seres com quem se encontrava.

Queria que seu espírito e consciência pudessem se separar do corpo, e que atingissem um lugar de paz e tranquilidade, ao tempo em que o pedaço de carne móvel que sobrava pudesse exercer seu papel de saco de pancadas. Seria indolor. Seria o certo.

Não aguentava mais aquilo, mas sabia que tinha de continuar. Achava que não teria mais forças, mas algo como que mágico o empurrava adiante. E mais adiante. E mais adiante. Sabia que não poderia resistir, que aquela força é muito maior do que ele mesmo. Do que sua própria vontade.

Às vezes, atordoado, gozava por alguns momentos de inconsciência. Durante esse estado, conseguia se desligar de tudo. Por poucos segundos, sentia a paz.

Quando, porém, voltava a si, via-se cercado por mais de mil demônios, fazendo-lhe subir um frio na espinha que terminava com um suador na testa e nas mãos. Fechava os olhos, tentando, assim, amenizar aquela visão dantesca.

De repente, um apito agudo soava...”tuuuuuuuuuuuuuu-tuuuuuuuuuuuuuuuu...”

E uma tenebrosa voz anunciava:

- Estação Sé. Desembarque pelo lado esquerdo do trem.

- Darini

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