sábado, 2 de maio de 2009

Ensaio sobre a Cegueira - Livro de José Saramago

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Em seu "Ensaio sobre a Cegueira", Saramago critica o rumo que as coisas tomaram nesta época em que vivemos. A "cegueira branca" que se alastra pela cidade, poupando apenas uma mulher, nos faz refletir sobre os problemas que, para a maioria de nós, passam despercebidos. Por quantas vezes, em nossa rotina "automatizada", não damos atenção, fazemos vistas grossas ou, simplesmente, ignoramos necessidades humanas que nos estão logo à frente? Num tempo em que tudo deve ser rápido, automático e produtivo, o ser-humano está deixando de ser humano. Estamos virando "robôs que comem e respiram". O outro? "Que eu tenho a ver com as necessidades do outro?" Essa é nossa cegueira branca.

Nessa cidade (ou mundo) que criou Saramago, todos são iguais. Não há nomes para os personagens e o modo como o autor os apresenta (através de alguma característica, profissão ou defeito) torna-os mais vivos em nossa memória. Podemos nos esquecer de vários nomes de personagens provenientes de clássicos lidos outrora, mas, com certeza, lembraremos da figura da "mulher do médico", "o velho da venda preta" e, até mesmo, do "cão das lágrimas" por muito tempo, até mesmo pelo fato de serem personagens do dia-a-dia, que podem ser encontrados em qualquer cidade real. A prostituta, o velho, o ladrão, o motorista de táxi, o menino abandonado... são eles que protagonizam o Ensaio. Não são heróis, mas pessoas marginalizadas sobre as quais o autor coloca os holofotes. Ele mostra que elas existem e que podem superar suas dificuldades, principalmente se houver uma mão amiga que os guie (mulher do médico).

A cegueira branca, de certa forma, atinge o leitor. Como pode uma jovem, às vistas da sociedade, apaixonar-se por um homem pobre, defeituoso e que não segue os padrões convencionais de beleza? Durante a leitura, não acreditamos que isso pudesse acontecer, mas o sentimento que nasce entre a rapariga de óculos e o velho da venda preta é maior do que qualquer "convenção" ou interesse superficial que possa surgir no coração humano. É algo profundo e que transcende qualquer estereótipo ou preconceito.

Pessoas do povo que se tornam mais iguais do que nunca, e têm de conviver em comunidade por tempo indeterminado aturando suas diferenças e defeitos. O governo? Este já está cego antes de tudo e de todos, pois fazem o que muitos governantes fazem: eliminam o mal, mas não sua causa. O modo desumano com que os "contaminados" são tratados realmente impressiona: tudo a eles é feito à distância. Um passo em falso, e a morte lhes era certa. O medo daqueles ditos diferentes causa uma celeuma coletiva: "teve contato com um cego? Está condenado!"

Os personagens precisam passar por uma revolução de vida para serem curados de sua cegueira. Provavelmente, é isso que José Saramago espera daqueles que lerem esta obra: quando vamos fazer nossa própria revolução de vida, e nos curar de nossa cegueira branca?

O "Ensaio sobre a Cegueira" é um ótimo livro, tanto na técnica utilizada pelo autor para escrevê-lo (parecendo um filme, tamanha a dinâmica do texto), assim como uma obra filosófica, para que pensemos no ser-humano como humano e liberto de sua cegueira coletiva.

- Darini

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